Músico cria gravador de discos caseiro e usa até pote de paçoca em testes

Louco por gerigonças, Davi Henn desenvolve bolachas em sua oficina com aparato reaproveitado

Um disco de plástico em uma vitrola
Músico de Curitiba grava disco em tampa de pote de paçoca - Reprodução
MANUELA TECCHIO
Curitiba

Não foi preciso muito mais que um alfinete de fraldas, um pedaço de uma vitrola antiga e alguns lacres de saco de pão para que o músico paranaense Davi Henn, 32, construísse seu próprio gravador de discos de "vinil".

Reaproveitando esses materiais, ele montou seu torno de cortes de acetato --a máquina que, no processo industrial de gravação, risca a matriz a partir da qual os LPs são copiados.

Só que, diferentemente das fábricas de vinil, Henn grava cada disco do zero. É como se cada um fosse uma nova matriz. Assim, ele dribla a necessidade de uma prensa para fazer as cópias.

Foram seis anos de pesquisa e testes para chegar ao resultado atual. As primeiras tentativas aconteceram em chapas de raio-X usadas, mas foi com a tampa de plástico de um pote de Paçoquita que ele alcançou uma das primeiras amostras bem-sucedidas. Seu disco de plástico toca em qualquer vitrola comum.

Depois, começou a gravar os exemplares em acrílico e formato quadrado, para facilitar o corte feito com estilete.

Assim, gravou o primeiro disco de seu selo Feroz: um EP de um lado só, com o cover de "Walkin' Blues", de Son House, conhecida na voz de Robert Johnson. Vendeu as 50 cópias da primeira tiragem em algumas horas, pelo Facebook.

A inspiração veio da série "The Blues" (2003), produzida por Martin Scorsese. Henn se impressionou com os músicos do delta do Mississippi, que conseguiam gravar a matriz de seus discos, mesmo sem acesso a estúdios, ainda na década de 1940.

Em "Feel Like Going Home", primeiro episódio da série, há uma menção a Alan Lomax, que registrou, pela primeira vez, o jovem Muddy Waters com um torno de corte no porta-malas do carro.

"Eu surtei. Faz uns cinco anos que não penso em outra coisa que não seja lançar um disco meu, feito em casa", diz Henn. Os domingos em família e as madrugadas com os amigos foram sendo trocados pela oficina nos fundos de sua casa, em Curitiba.

Henn aprendeu com a família o gosto por guardar tudo que é considerado sucata. Em seu quintal há latas, malas velhas, ferramentas quebradas. É a partir desses materiais que ele constrói, também, os próprios instrumentos, como a guitarra que fez usando uma lata de cerveja e um cabo de vassoura.

Ele sempre dependeu da criatividade para ganhar a vida. Depois de se tornar pai, começou a fazer shows na rua como homem-banda: toca guitarra, percussão e gaita de boca ao mesmo tempo. Vendeu cerca de 5.000 cópias de seu primeiro CD, também gravado e copiado na garagem.

Sem ter cursado faculdade, aprendeu quase tudo sozinho. Na infância, no Rio Grande do Sul, começou a flertar com geringonças. Dividia suas tardes entre a marcenaria dos tios e a casa do avô, que consertava espingardas.

No futuro, ele pretende gravar a produção de músicos independentes com custos acessíveis. Ainda que demore. "Esse compacto é só uma prova. O som não está ideal, o corte não é perfeito. Ainda é um trabalho em progresso."

Na busca por refinamento, conta com a ajuda de outros entusiastas. O produtor paulistano Arthur Joly, acompanhando o esforço de Henn na internet, enviou pelo correio uma carcaça de alumínio encomendada da Jamaica.

Com a peça, Henn conseguiu melhorar a estabilidade dos cortes e a qualidade das gravações.

Não que qualidade seja o centro das atenções. Sua técnica produz discos conhecidos no meio musical como lo-fi: material com ruídos, baixo volume e pouca fidelidade de reprodução.

Na contramão dessa técnica, outros músicos e produtores perseguem a reprodução de alta fidelidade nos LPs, com a volta do vinil ao mercado.

Segundo Joly, além dos dois, há ao menos outras duas pessoas pesquisando essa tecnologia no Brasil. "O legal é que o Davi buscou um negócio bem lo-fi. Ele partiu de uma tampa de pote de paçoca! O que importa é gravar sua própria música e distribuir seu vinilzinho, à sua maneira."

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