Com Cauã Reymond, filme de Laís Bodanzky faz retrato intimista de dom Pedro 1º

'Pedro' estreia em 2019 e produz paralelo entre a política atual e um Brasil que nunca deu certo

Pedro, filme da diretora Laís Bodanzky, conta a história do primeiro Imperador do Brasil ( interpretado por Cauã Reymond) em seu retorno a? Europa a bordo da nau inglesa Warspite. Durante a travessia, Pedro reflete sobre sua vida no Brasil desde a infa?ncia, quando chegou com seus pais de Portugal, em 1808, ate? sua sai?da na calada da noite, fugindo de ser apedrejado pela populac?a?o, em 1831.A bordo do Warspite, segue com Pedro a sua jovem e bela esposa, Ame?lia de Leuchtenberg e sua filha Maria da Glo?ria (xxxxx) fruto de sua relac?a?o com sua primeira esposa, a austri?aca, ja? falecida, Imperatriz Maria Leopoldina. Seu médico tambe?m o acompanha e o auxilia em uma importante questa?o: ja? ha? alguns meses Pedro (o maior mulherengo da histo?ria do Brasil) na?o consegue engravidar D. Ame?lia.A viagem obriga Pedro a vencer seus medos e rever sua vida do ponto de vista pessoal. Em conversas com o comandante ingle?s, com o cozinheiro, o me?dico, a esposa, a filha e 6 escravos, ele volta no tempo e revive cenas marcantes de sua vida. (Foto: Fabio Braga/Biônica Filmes) Diretora: Lai?s Bodanzky - DIVULGAÇÃO.

Cauã Reymond em 'Pedro' Fabio Braga/Divulgação

Pedro Diniz
São Paulo

A fama do Brasil de ser o país que tem tudo para dar certo, mas não dá, remonta a um período específico e pouco documentado da história nacional, quando dom Pedro 1º, escorraçado, volta a Portugal numa fragata inglesa.

O projeto de Brasil gestado na segunda década do século 19 desmoronou logo após o grito do Ipiranga e os consecutivos desmandos do então imperador, fatos documentados em livros, séries de TV e no longa "Independência ou Morte" (1972), de Carlos Coimbra.

Mas deve ser em "Pedro", o próximo e mais caro filme realizado pela cineasta Laís Bodanzky, que a psique do personagem-título se descortinará. O filme é produzido com quase R$ 8,5 milhões captados, uma equipe de quase 200 pessoas e tem data de estreia prevista o segundo semestre de 2019.

 

Resultado de uma cooperação entre Brasil, Portugal e França, o longa tem Cauã Reymond no papel principal e 80% de suas cenas ambientadas dentro da embarcação de volta à Europa. Parte delas foi filmada em estúdios móveis presos por 700 cordas elásticas que simulam o balanço do mar.

A estrutura, que suporta quatro toneladas, deixou a equipe naturalmente nauseada ao reproduzir de forma fidedigna os chacoalhões de uma travessia transatlântica.

O interior da nau foi inteiramente reconstituído pela direção de arte. Canhões, redes, itens de mobiliário e baús enormes, nos quais o nobre viajante guardou o ouro contrabandeado do país, receberam tratamento detalhista.

Outra parte do longa foi rodada na área externa do veleiro Cisne Branco, joia da marinha brasileira emprestada para o longa que tem na lista de produtores o próprio Cauã Reymond, com sua Sereno Filmes, e O Som e a Fúria, do realizador português Luís Urbano.

Nesse cenário, Pedro mergulha em suas contradições, entre lembranças sobre a sequência de acontecimentos que culminou na derrocada de seu reinado e a solidão de estar confinado em um barco com ingleses —o irlandês Francis Magee, o Yoren de "Game of Thrones", é o comandante Talbot—, escravos levados do Brasil e sua última mulher, Amélia de Leuchtenberg, vivida pela portuguesa Vitória Guerra.

"Onde foi que eu errei?" é a pergunta que conduz o roteiro, assinado pela própria Bodanzky, para defender diálogos imaginários, situações e delírios da viagem de quatro dias que transformou a personalidade de Pedro até o momento em que ele desembarca nos Açores para iniciar a batalha pelo trono contra o irmão Miguel 1º e se transformar em Pedro 4º, rei de Portugal.

"Falamos pouco sobre nossa história no audiovisual brasileiro, não só sobre o projeto de Brasil que deu errado naquele momento, mas sobre a vida pessoal de Pedro, que também deu errado. O Pedro que chega a Portugal é muito conhecido pelos portugueses, mas não por nós", diz a diretora, que recebeu este repórter durante as gravações num estúdio em Osasco, na Grande São Paulo.

Ela filmava um jantar de nobres com o futuro rei, que come alcachofras com as mãos, rejeita regras de etiqueta e pede em inglês, para o horror da polida Amélia, para conhecer o chefe de cozinha responsável pelo banquete.

São nesses detalhes que se desnuda a caracterização de Cauã Reymond, um Pedro bronzeado pelo sol dos trópicos, inconstante e ambíguo, que defendia a abolição, mas mantinha escravos "da família" como serviçais.

"É o retrato do Brasil de hoje, que deu liberdade, mas não educação, que alforriou, mas não integrou a maioria da população, que já era negra naquela época. Pedro representa esse país de teoria e de pouca prática, de projetos de país que param no meio do caminho", afirma a cineasta.

A ideia inicial do filme partiu de Reymond em 2014. Seria um longa épico, com cenas de batalha e com mais estofo documental, mas logo que Bodanzky entrou com carta-branca para influir na produção, a história tomou viés intimista.

Na pré-produção e nos ensaios, realizados em um espaço de tempo que compreende o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e a recente corrida presidencial, os realizadores perceberam as correlações entre a história atual e a do passado.

"A gente vive um ambiente ambíguo, de transformações sociais e políticas. O filme não é uma ode ao Pedro ou à monarquia, mas um olhar sobre essa passagem de tempo que levou o projeto de Brasil para onde ele está hoje e como esses personagens influíram na construção dele", diz Reymond.

"Queríamos fugir de tudo o que já foi visto e produzido sobre essa história."

A morte da imperatriz Maria Leopoldina, primeira mulher do príncipe regente, foi um dos fatos levados em consideração na montagem do personagem, que, segundo o ator, talvez tivesse tido um destino diferente se ela não tivesse morrido.

"Foi parte fundamental do processo criativo analisar como Pedro encarou e sentiu a morte dela, que era um filtro entre [o ministro] José Bonifácio e ele, e teve papel moderador nas decisões do governo", conta Reymond, que ainda foi buscar nos casos amorosos do imperador os traços de seu estado psicológico.

Domitila, a marquesa de Santos, interpretada no longa pela artista plástica Rita Wainer, aparece como um dos catalisadores dos delírios do viajante, que, para o ator, "fez a própria cama e morreu infeliz em Portugal" quando permitiu que ela entrasse no meio da relação com Leopoldina. "Esse é, sem dúvida, meu trabalho mais difícil."

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.