Exposição resgata perfil múltiplo de Burle Marx

Pinturas, projetos paisagísticos e textos contra o desmatamento vão ao MuBE a partir deste fim de semana

desenhos de mata fechada com cachoeira
Desenho de pedaço da Mata Atlântica, 1991, de Roberto Burle Marx - Divulgação
Gustavo Fioratti
São Paulo

O sítio na zona oeste do Rio de Janeiro onde Roberto Burle Marx viveu parte da vida foi, até a morte do paisagista, se transformando em espécie de arca de Noé, mas uma versão dedicada não aos animais, e sim às plantas.

Quem faz a comparação é Cauê Alves, organizador de uma mostra agora no Museu Brasileiro da Escultura e que reúne obras e estudos desse sujeito de óculos fundo de garrafa e bigode geométrico que extravasou a própria atividade para áreas correlatas. 

Burle Marx flertou com a ciência ao se dedicar a expedições com olhar voltado para a botânica —coletando espécies que foram preservadas no sítio doado ao Iphan, uma propriedade de 365 mil metros quadrados. De lá vem boa parte das peças da mostra, que começa neste sábado (15). 

Ele deu, nessa trajetória, novo curso às concepções dos jardins brasileiros, que até os anos 1950 se amparavam em modelos franceses. E também se dedicou a um conjunto de criações que o alçaram ao 
título de artista, inclusive com a produção de pinturas, esculturas, textos e objetos.

A projeção bastante tímida da carreira de pintor, com produção concentrada nos anos 1980, potencializa agora todo o conjunto da obra. 

Existe relação formal entre os quadros e os estudos e plantas para os projetos paisagísticos, boa parte deles concentrada no Rio. A abstração e a geometria são elementos sempre presentes, embora haja, como em “O Mangue Azul”, de 1963, a introdução de formas e cores pinçadas da flora brasileira. 

A pluralidade, diz Alves, o aproxima do “homem renascentista, que trabalha em diversos campos”. O curador chama Burle Marx de “cientista amador”, alguém que “era respeitado pela academia”.

Daí a mostra parte paras as relações pessoais: Nanuza Luiza de Menezes, pioneira em estudar a anatomia das plantas brasileiras, foi grande parceira. Há entre as peças da exposição uma túnica que 
Burle Marx desenhou para ela. 

Paulo Mendes da Rocha é outro. Autor do projeto do própio MuBE, ele delegou a Burle Marx o desenho de seu jardim. Há o porém de que o projeto não foi concretizado por completo. A seção onde deveria haver desenhos com pedras portuguesas foi substituída por um piso monocromático que permite o escoamento da água da chuva.

A mostra recupera o projeto antigo —os desenhos originais são recordados em uma superfície de vinil, que por fim é colada ao piso da área externa do MuBE. Na abertura da mostra neste sábado, o fotógrafo Leonardo Finotti fará um retrato aéreo desse trabalho. A foto resultante tem espaço reservado na mostra, ainda que a data de sua inclusão não tenha sido determinada pelos organizadores.

A exposição, por fim, resgata o perfil de um paisagista que também exerceu papel de militante na preservação da mata atlântica e da Amazônia. “O Burle Marx era um ecologista militante, fez discurso no Senado, na USP, e escreveu textos contra as queimadas, em um momento em que a ditadura não só desmatava mas fazia propaganda dizendo ‘olha que coisa linda que estamos fazendo, construindo estradas’”, diz Alves. 

“Havia a ideia de que a preservação da natureza travava a economia. Ele fazia esses discursos nos anos 1970, e a gente está vivendo isso de novo.”

Burle Marx: Arte, Paisagem e Botânica; abertura neste sábado (15);

  • Quando Terça a domingo, das 10h às 18h. Até 17 de março.
  • Onde MuBE - r. Alemanha, 221, São Paulo

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