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Aos 40, Grupo Tapa discute revoluções do passado e do presente

Companhia estreia 'O Jardim das Cerejeiras', derradeira peça de Tchékhov, que prenunciava a Revolução Russa

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São Paulo

Eram prenúncios de novos tempos o que Anton Tchékhov descrevia em "O Jardim das Cerejeiras", sua peça derradeira. Aquela Rússia dos primórdios do século 20, tomada pelas transformações que levariam à revolução de 1917, era o pano de fundo para a trajetória decadente de uma família aristocrática.

"E o que os personagens vivem ali, a perda, é também o que nós estamos vivendo hoje, com o fim de uma era. Não só politicamente, mas em relação ao pensamento do mundo, que está mais empobrecido", comenta Eduardo Tolentino de Araujo, que agora dirige uma montagem do texto, celebrando os 40 anos de seu Grupo Tapa.

"Ainda é muito novo para sabermos exatamente o que está acontecendo, talvez seja a maior mudança da era digital. Mas virá uma outra revolução, estamos no embrião disso. O jardim está devastado."

Tolentino se refere ao cerejal que dá nome à obra tchekhoviana. Como as finanças de seus donos, é um jardim que definha, já perdeu a pujança de outrora. Mas tem um apelo afetivo para a família, que reluta em vendê-lo para quitar as suas dívidas. Tampouco faz grande esforço para cortar gastos frívolos.

Entre os interessados na compra do terreno está Lopakhin (Sergio Mastropasqua), que deseja derrubar o cerejal e transformar a propriedade numa casa de veraneio. Comerciante de emergente, ele representa a nova classe média russa, então uma ameaça aos velhos costumes aristocratas.

Mas Tchékhov não faz da história exatamente um drama. Passeia pelo tom farsesco, tira humor do perdularismo da família e até do falar demasiado sincero, duro, de um familiar com o outro. Em dado momento, transita pelo niilismo quando um personagem, em meio ao caos financeiro, ironiza: "Atirem-se".

"E o texto tem uma modernidade. Os personagens quase falam sozinhos, uma pessoa não exatamente responde ao que a outra perguntou, ela responde uma outra coisa, cria uma teia de pensamentos", diz a atriz Clara Carvalho, 

Ela interpreta a matriarca Liuba, símbolo de potência afetiva —seu prenome, em russo, significa amor— e a mais inconsequente com os gastos da família. "Ela ama indiscriminadamente, por isso dá tudo o que tem aos outros."

É também com certo afago, ainda que sem muito otimismo, que o dramaturgo costura a decadência. "Dizia-se que o [norueguês Henrik] Ibsen era um arquiteto, um construtor de peças, e que ele achava que a casa burguesa, com algum reforma, perseveraria. Tchékhov era médico, sabia que a casa estava condenada, então pensava em dar um pouco de morfina, para ela morrer com mais beleza", diz Tolentino.

"O Jardim das Cerejeiras" é um projeto antigo do Grupo Tapa. Auge da maturidade de Tchékhov, que teve na sua primeira montagem, em 1904, direção de Constantin Stanislávski, um dos maiores teóricos da interpretação, o espetáculo hoje espelha muito da trajetória consistente da companhia, conhecida por seu estudo de clássicos e pelo trabalho de ator.

Tanto que a encenação brinca com a passagem do tempo e a história do grupo. O elenco entra em cena como uma trupe de artistas chegando em casa —no caso, o palco do Teatro Aliança Francesa, onde a companhia residiu por 15 anos. De início, o figurino traz peças dos anos 1970, época em que o Tapa foi fundado, e aos poucos transforma-se no vestuário vitoriano da trama.

O trânsito entre passado e presente é também uma alusão às transformações do tempo e à ideia de esperança que traz o jardim, símbolo de novas possibilidades, comenta o diretor. "É como no mito de Perséfone [deusa da primavera]. Ele renasce. De outra maneira, mas ele renasce."

O Jardim das Cerejeiras

  • Quando Qui. a sáb., às 20h30, dom., às 19h. Até 25/2
  • Onde Teatro Aliança Francesa, r. General Jardim, 182
  • Preço R$ 30 (qui. e sex.) a R$ 60 (sáb. e dom.)
  • Classificação 14 anos
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