Descrição de chapéu Artes Cênicas

Com Fabio Assunção e Mel Lisboa, peça 'Dogville' abre ano de adaptações de filmes

Montagens buscam público com obras já consagradas, driblando concorrência entre produtos de entretenimento

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Versão teatral de

A atriz Mel Lisboa aparece em projeção no palco da versão teatral de 'Dogville' Renato Mangolin/Divulgação

São Paulo

A imagem que abre “Dogville”, uma vista aérea de um vilarejo todo feito de giz no piso de um galpão preto, marcando as divisões de ruas e casas, que não têm nem paredes, resume bem a linguagem concisa e hiperteatral que o dinamarquês Lars von Trier imprimiu ao seu filme, crítica fabular aos Estados Unidos e ao capitalismo desenfreado.

Não é de se estranhar que depois do longa de 2003, sucesso de crítica, viria alguma adaptação para os palcos. Ela surgiu há pouco menos de dez anos, feita por Christian Lollike, conterrâneo de Von Trier, com a chancela do cineasta.

E chega agora ao Brasil, com estreia em São Paulo marcada para o fim do mês, num ano em que o cinema e as obras audiovisuais como um todo vêm dando a cara nos palcos

 

No Rio de Janeiro, acaba de estrear a montagem de “Perfume de Mulher”, com Silvio Guindane e Gabriela Duarte no elenco. Em março, Marisa Orth e Daniel Boaventura protagonizam o musical “Sunset Boulevard” (“Crepúsculo dos Deuses”), versão do filme de Billy Wilder, e estreia uma produção musical de “Billy Elliot”, com canções de Elton John.

No segundo semestre, “A Casa das Sete Mulheres”, romance de Letícia Wierzchowski que depois fez sucesso como minissérie da Globo, será transformada em musical, com direção de Ulysses Cruz —e deve usar canções de Marcus Vianna compostas para a produção televisiva.

Não é um movimento exclusivo do Brasil. Ainda que a Broadway tenha se tornado um terreno repleto de novidades, segundo Alexis Soloski, crítica do jornal The Guardian, a próxima temporada guarda poucos originais e muitas adaptações do cinema.

Entre elas, uma versão musical de “Tootsie”, filme de Sydney Pollack, outra de “Beetlejuice”, longa de Tim Burton, e uma montagem de “Moulin Rouge!”, de Baz Luhrmann. 

Uma tendência que veio dos últimos dois anos, quando produções como “Frozen” e “Meninas Malvadas” chegaram em peso aos teatros nova-iorquinos. “A influência de Hollywood continua a refrear o aumento de produções originais”, escreveu Soloski.

O teatro europeu, em especial o alemão, também se viu na última temporada permeado por versões de filmes como “Os Deuses Malditos”, de Luchino Visconti, “Persona”, de Ingmar Bergman, e “O Inquilino”, de Roman Polanski.

É uma tendência —vista também no cinema, com sua  recente onda de refilmagens e adaptações— de levar ao espectador um produto já conhecido, garantia de qualidade e sucesso. Algo como uma estratégia para driblar a concorrência entre produtos de entretenimento, hoje turbinada por serviços de streaming.

E tem mostrado resultados. Na última semana de 2018, a Broadway chegou a um lucro recorde de US$ 57 milhões (R$ 210 milhões), muito impulsionada por adaptações de obras de sucesso, e teve casas cheias, ainda que os ingressos sejam um tanto salgados —algumas produções têm entradas ao custo médio de US$ 375, cerca de R$ 1.380.

Logo na sua estreia, no primeiro fim de semana do ano, período que costuma ser fraco para o teatro, “Perfume de Mulher” lotou os cerca de 400 lugares do Teatro do PetroRio das Artes, conta Silvio Guindane. “Temos tido uma resposta muito positiva do público.”

O ator, que interpreta o militar cego Fausto, levou quase oito anos para adquirir os direitos da obra, originalmente um livro do italiano Giovanni Arpino (intitulado “A Escuridão e o Mel”), que depois foi vertido aos cinemas italiano e americano —este, protagonizado por Al Pacino.

Mas o sucesso também carrega um peso. “Tem uma coisa muito legal de você pegar uma grande obra: as pessoas têm um interesse em ver. Mas tem uma grande cilada, porque, ao mesmo tempo em que as pessoas esperam ver alguma coisa que remeta à obra original, por que refazer uma coisa que foi muito bem-feita?”, argumenta o produtor Felipe Lima, que idealizou a montagem brasileira de “Dogville”.

A solução por vezes é brincar entre as linguagens. “Perfume de Mulher”, que tem direção de Walter Lima Jr., nome de extensa carreira no cinema, faz uso de projeções para auxiliar nas transições e nas diversas paisagens da história, em especial as viagens aventureiras que Fausto faz pela Itália com o jovem cuidador Ciccio (Eduardo Melo).

No caso de “Dogville”, há na adaptação de Christian Lollike detalhes que depois acabaram cortados do filme, e a montagem nacional coloca em cena o oposto do que Von Trier faz. Aqui, são os elementos do cinema que são costurados à linguagem teatral. O cenário é composto basicamente de cadeiras e duas grandes telas.

Com câmeras nas laterais e no teto do palco, criam-se novas perspectivas de uma mesma cena. Por vezes, vemos um ator numa posição no palco enquanto as telas mostram outro ângulo de seu rosto. 

Noutras, vemos uma cena à frente do palco, e a projeção traz detalhes da mão de um intérprete ao fundo do cenário. Há ainda imagens previamente gravadas, que dialogam com o que acontece ao vivo.

“Tentamos fazer uma linguagem tangenciar a outra, como o filme já fez, só que agora do ponto de vista oposto”, explica o diretor Zé Henrique de Paula. “E mostrar vários pontos de vista. Acho que nosso momento atual tem muito a ver com pontos de vista.”

A história de Grace (agora interpretada por Mel Lisboa), que durante a Grande Depressão foge de um grupo mafioso e se esconde num vilarejo do Colorado, onde é acolhida e depois assediada pela população local, reflete bem “este momento em que estamos vivendo, de visões extremas e polarizadas”, diz o encenador.

“Não à toa, ele [Von Trier] coloca a história na Depressão, um período de problemas financeiros, em que as pessoas estão passando necessidade. Grace é colocada como um produto de que as pessoas se utilizam”, afirma Lisboa.

“Isso nos faz refletir sobre a situação que estamos passando agora no mundo. Hoje qualquer coisa é uma ameaça. No final da história, você não consegue concordar com ninguém, só com o cachorro.”

 

Versões para o teatro


Dogville

Adaptação do filme de Lars von Trier, com Mel Lisboa e Fabio Assunção no elenco e direção de Zé Henrique de Paula

Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740. Sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h. Estreia em 25/1. Até 31/3. Ingr.: R$ 50 a R$ 90. 16 anos


Perfume de Mulher

A partir da obra de Giovanni Arpino e suas versões para o cinema. Walter Lima Jr. dirige Silvio Guindane, Gabriela Duarte, Eduardo Melo e Saulo Rodrigues

Teatro PetroRio das Artes - shopping da Gávea, r. Marquês de São Vicente, 52, Rio de Janeiro. Qui. a sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 24/2. Ingr.: R$ 90. 14 anos
A partir de março, no Teatro Renaissance, em São Paulo


Sunset Boulevard

O musical adaptado do filme de Billy Wilder (‘Crepúsculo dos Deuses’, no título em português) será protagonizado por Marisa Orth e Daniel Boaventura e dirigido por Fred Hanson (de ‘Cantando na Chuva’)

Estreia em março no Teatro Santander, em São Paulo


Billy Elliot

Com músicas de Elton John, a história do menino bailarino terá produção do Atelier de Cultura (de ‘Annie’)

Estreia em março no Teatro Alfa, em São Paulo


A Casa das Sete Mulheres

Ulysses Cruz irá dirigir a versão do romance de Letícia Wierzchowski, ambientado na Revolução Farroupilha, que fez sucesso como minissérie da Globo. A produção é da atriz Kiara Sasso

Estreia prevista para o segundo semestre, em São Paulo

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