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Artes Cênicas

Em 'Partir com Beleza', diretor recria memórias sobre perda da mãe

Monólogo documental busca dar sentido à morte com elementos melodramáticos e literários

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Mohamed el-Khatib em apresentação de "Partir com Beleza" na Casa do Povo - Lenise Pinheiro/Folhapress

Partir com Beleza

  • Quando Ter. (19) e qui. (21), às 20h e 22h, qua. (20), às 18h, 20h e 22h
  • Onde Casa do Povo, r. Três Rios, 252
  • Preço R$ 40
  • Classificação 10 anos

No início do solo “Partir com Beleza”, o ator e diretor franco-marroquino Mohamed el-Khatib narra como, à beira da cama, lia para a mãe doente, numa tentativa de lhe prolongar o tempo de vida. Meses depois, ela morreria dormindo.

De fato, revela em seguida o diretor, sua mãe morreu de câncer hepático em 2012, mas de forma bastante diferente da descrita: numa cama de hospital, rodeada pela família. O próprio El-Khatib estava viajando e falara com a mãe pela última vez por telefone dias antes. O texto lido por ele, descobre-se, é o trecho final de uma de suas peças, uma ficção.

A narrativa que serve de prólogo, espécie de adaptação de “As Mil e Uma Noites”, opera como um conto-moldura —é a matriz geradora das demais pequenas histórias sobre a perda da figura materna que compõem o monólogo.

Embora utilize uma linguagem contemporânea, o teatro documental —El-Khatib exibe fotos e vídeos, distribui cópias de uma certidão de óbito à plateia—, o espetáculo apresenta temas clássicos, o luto e a maternidade, com tratamento dramatúrgico francamente melodramático e anedótico.

Estabelece-se, assim, um tênue equilíbrio entre leveza melancólica e pesar jocoso. Não à toa, num dos vídeos apresentados ao público, a câmera focaliza uma projeção de Charles Chaplin, espécie de síntese desse humor lúgubre.

A linguagem documental que se impõe é, na verdade, um artifício que legitima uma dramaturgia minuciosamente urdida para causar certas sensações e impressões no espectador. O recurso se demonstra tão sofisticado quanto eficiente, pois faz a fala do artista soar despretensiosa e despojada.

O tom coloquial, próprio da reconstrução da memória, por sua vez, aproxima a narrativa da literatura de tradição oral —histórias ancestrais, compartilhadas por gerações. Involuntariamente ou não, o efeito literário é sublinhado pelas legendas com que a peça, falada em francês, é apresentada ao público brasileiro.

O resultado é uma ficção que se assume como memória. Uma ficcionalização de si mesmo e da própria história não muito diferente da narrativa que abre o monólogo. O que El-Khatib apresenta são apenas versões, mais ou menos ficcionais, mais ou menos verossímeis, de um mesmo fato cujo elo de ligação é a figura materna recriada pelo melodrama da lembrança.

Assim, a beleza proposta pelo título do espetáculo não está presente na morte da mãe, ou no seu enterro burocrático no Marrocos, mas na sua recriação. De certa maneira, o monólogo é uma encenação do texto inicial —uma tentativa do diretor de estender o tempo de vida da mãe.

A tentativa de dar sentido à morte e, portanto, à vida —e tornar ambas suportáveis—, contudo, não é livre de ônus. Ao ritualizar a morte da mãe, o diretor encontra beleza, mas também contempla a finitude de si mesmo.

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