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Irreverência de Glauber Rocha volta restaurada nos 80 anos do cineasta

Diretor de 'Terra em Transe' marcou a TV dos anos 1970 e tem trajetória recuperada pelas mãos da filha

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O cineasta Glauber Rocha durante filmagens de

O cineasta Glauber Rocha durante filmagens de "Barravento" Reprodução

São Paulo

Glauber de Andrade Rocha costumava usar duas máquinas de escrever, que ficavam lado a lado. 

“Se estava fazendo algo numa delas e surgia uma ideia sobre um assunto diferente, batia em outra. A não ser quando estava filmando, a vida dele era ler e escrever”, contou certa vez Lúcia Rocha, a mãe do cineasta, a este jornal. 

Nascido em Vitória da Conquista (BA), em 1939, Glauber morreu em 1981, com apenas 42 anos. Foram quatro décadas vividas intensamente. 

Realizou 20 filmes, entre longas e curtas de ficção, documentários e registros caseiros. Sua herança não é apenas prolífica. Vista hoje, 14 de março, quando ele completaria 80 anos, sua obra se consolida como fundamental para a cultura brasileira

À frente de filmes de espantosa atualidade, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) e “Terra em Transe” (1967), Glauber é o maior cineasta da nossa história.

De meados dos anos 1960 em diante, não há diretor brasileiro (entre os bons, diga-se) que não tenha sido influenciado por ele. Conquistou ainda admiração de nomes como Michelangelo Antonioni, Bernardo Bertolucci e Martin Scorsese.

Além de filmes, críticas e ensaios, ele também testou os limites da televisão. Entre fevereiro de 1979 e julho de 1980, a extinta TV Tupi apresentou “Abertura”, programa com a participação de Glauber. Vem, aliás, dessa produção televisiva irreverente uma das novidades deste ano ligadas ao universo glauberiano.

A barba por fazer e a camisa entreaberta em “Abertura” o afastavam da formalidade da TV da época. Mas era o tom veemente que, de fato, surpreendia o telespectador. Ele falava diretamente para a câmera e entrevistava pessoas anônimas nas ruas.  

“É preciso falar de cultura. O povo brasileiro é analfabeto, mesmo os intelectuais são analfabetos”, dizia. E ainda: “Nossa cultura é a macumba, não é a ópera”. Ou: “Por que a burguesia [brasileira] tem que ser cruel, desumana?”.

A contundência chama a atenção quando considerado o contexto. Na virada dos anos 1970 para os 1980, a censura exibia menos rigor, mas o país ainda vivia sob a ditadura. 

Filha mais velha do cineasta baiano, a produtora e diretora Paloma Rocha, trouxe o Glauber da TV para os dias de hoje. Lança em agosto na Cine Brasil TV a série “Antena da Raça”, que intercala as participações do pai na Tupi e as gravações conduzidas pela equipe dela ao longo do ano passado. 

Dessa produção recente, há entrevistas com nomes como o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa e o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira. 

No entanto, como havia feito Glauber, Paloma privilegia as participações de anônimos em rodoviárias, aldeias indígenas, assentamentos de sem-terra. Aparecem ainda manifestações favoráveis e contrárias a Lula às vésperas da prisão do ex-presidente.   

“Essa angústia de querer filmar e comentar o que acontecia”, como descreve Paloma, surgiu em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, um golpe na visão da diretora. 

Paralelamente, avançava o processo de restauração dos programas de Glauber na TV, depositados na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Paloma uniu os dois movimentos para dar origem a “Antena da Raça”, que aborda temas como a cultura indígena, os meios de comunicação e a relação do Brasil com os demais países.

Além da série, com 13 episódios, o projeto dará origem a um filme, codirigido por Luís Abramo. Deve ficar pronto em outubro para, daí em diante, percorrer festivais de cinema.

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