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Sérgio Ricardo e música nordestina marcaram trilhas de Glauber Rocha

Músico, importante nome da bossa nova, conheceu o cineasta em 1961 e musicou seus filmes

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Casa com chão de terra batida em cena do filme

Casa com chão de terra batida em cena do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha Reprodução

Guilherme Bryan
São Paulo

“Se entrega, Corisco/ Eu não me entrego, não!/ Eu não sou passarinho/ Pra viver lá na prisão”. Os versos, que soam como um grito e emocionaram plateias na morte do cangaceiro Corisco, são da canção “Perseguição” e encerram “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, que completaria 80 anos

O cineasta assina a composição com o autor da trilha musical do filme, Sérgio Ricardo, 86, pianista de formação clássica que comemora 70 anos de carreira neste ano.

“‘Deus e o Diabo’ me jogou na feira nordestina, imitando os cantadores na soltura do canto e dos versos, ampliando meu leque como intérprete, para alegria do Glauber”, conta Sérgio Ricardo. 

Sérgio Ricardo no 3º Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967
Sérgio Ricardo no 3º Festival de Música Popular Brasileira na TV Record, em 1967 - Folhapress

No filme, ele exerce uma função próxima à de um narrador e Glauber pôs, no final dos letreiros iniciais, “romance na voz e violão de Sérgio Ricardo, letras de Glauber Rocha”.

“O filme de Glauber é uma obra-prima do cinema novo, e a antológica sequência da morte de Corisco não seria a mesma sem a música de Sérgio”, garante o historiador Rafael Rosa Hagemeyer, um dos organizadores do livro “Esse Mundo É Meu: As Artes de Sérgio Ricardo” (Appris). 

“Ao aceitar o desafio de musicar os versos de Glauber no poema de cordel ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, Sérgio teve que estudar a música nordestina, suas escalas, sua cadência, incorporando tudo aquilo que havia aprendido com o blues e o jazz”, diz Hagemeyer.

Glauber e Sérgio se conheceram quando, em 1961, o cineasta baiano foi ao Rio de Janeiro fazer a montagem do filme “Barravento”, com o experiente Nelson Pereira dos Santos, e descobriu que este estava montando também o curta-metragem “O Menino da Calça Branca”, de Sérgio Ricardo. 

Tornaram-se bons amigos, o que só fez crescer quando o compositor criou uma canção com o mesmo nome do filme de Glauber sob o impacto que as imagens que acabara de ver haviam lhe causado.

Os dois voltaram a trabalhar juntos no filme “Terra em Transe” (1967). “Desta vez, Glauber arriscou na minha capacidade e fiz meus primeiros arranjos para orquestra, compondo os temas para a trilha do filme”, diz o músico.

Ele é lembrado, porém, mais pelo episódio da terceira edição do Festival da Música Popular Brasileira, realizado pela TV Record em 1967.

Na final, Sérgio decidiu alterar o arranjo da canção que defendia, “Beto Bom de Bola”, e, ao não conseguir apresentá-la sob intensas vaias, se irritou, quebrou o violão e o arremessou à plateia.

“A história não me traz nenhum constrangimento. Hoje faria o mesmo e me orgulho por soltar os cachorros sobre a exploração televisiva em colocar em competição valores abstratos que envolvem canções, transformando isso numa corrida de cavalos”, diz.

Naquele momento, Sérgio já era um artista conhecido, com quase dez anos de carreira, e pelo menos um grande sucesso, “Zelão”, de 1960, considerada uma bossa nova de caráter social, precursora da música de protesto e que inspirou Chico de Assis a criar o Centro Popular de Cultura.

Além de ter sido gravado por Elis Regina, Elza Soares e Alcione, por exemplo, e ter ajudado novos artistas como Fagner e João Bosco, Sérgio participou do famoso show de bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962.

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