Mostras em SP relembram arquitetura radical de Gregori Warchavchik

Obra-prima do arquiteto ucraniano, Casa Modernista vive estado de abandono

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São Paulo

Um muro alto numa rua da Vila Mariana esconde o marco zero da arquitetura moderna no país, a tinta fresca ali incapaz de disfarçar seu estado de abandono.

Erguida na zona sul paulistana em 1927 pelo arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik, a Casa Modernista causava estranheza com suas linhas retas, despidas do maneirismo típico de sua época.

"No Brasil, não existia tecnologia nem mão de obra para uma construção segundo os preceitos modernos, mas Warchavchik contornou essas dificuldades e mostrou uma limpeza formal que transgrediu os padrões estéticos da época", aponta Silvia Segall, uma das organizadoras de três mostras no Itaú Cultural, no Museu Lasar Segall e na casa da Vila Mariana que agora relembram a obra do arquiteto.

Maior delas, a Casa Modernista suscitou críticas ao mesmo tempo em que se transformou em fetiche —as pessoas faziam fila para ver a novidade, a pé ou de carro, provocando inusitados engarrafamentos na então pacata região.

Sua geometria límpida foi fruto de um artifício. Para ter a obra aprovada pela prefeitura, Warchavchik apresentou um projeto que contemplava os ornamentos exigidos pela época, marcada pelo estilo belle époque. Quando concluiu a obra, alegou falta de dinheiro para justificar a ausência dos adornos previstos.

A casa foi visitada em 1929 por Le Corbusier, suíço-francês considerado o pai da arquitetura moderna para quem as habitações deveriam ser "máquinas de morar". Já nos anos 1930, foi reconhecida internacionalmente por revistas e periódicos como marco da mesma vanguarda arquitetônica que se alastrava pela Europa e pelas Américas defendendo princípios como simplicidade e funcionalidade.

Mas a ousadia aplicada ao concreto se repetia também no manejo da natureza. Os jardins da casa, pensados por Mina Klabin, mulher de Warchavchik, subverteram a tradicional referência francesa ao exaltar plantas nativas do país em cerca de 13 mil metros quadrados de terreno, tornando o projeto um precursor do paisagismo moderno.

"Warchavchik foi o primeiro nome da arquitetura no Brasil a se identificar com a Semana de Arte Moderna de 1922, ainda que tenha chegado em 1923", explica José Lira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "Fraturas da Vanguarda", livro sobre o ucraniano.

"Ele foi cercado pelos artistas de 1922, e sua casa se tornou um dos principais salões culturais de São Paulo e do modernismo. Era um espaço muito mais condizente com o pensamento moderno do que o Theatro Municipal, onde a Semana aconteceu", brinca.

Tamanha exuberância histórica, cultural e arquitetônica da Casa Modernista, no entanto, não vem conseguindo mobilizar o poder público, que pouco faz para cuidar dela.

Do lado de dentro do vasto muro, há uma casa vazia, despojada de seus móveis originais, ao lado de construções em ruínas. Há tapumes provisórios que estão lá há anos. Também há pouca informação para desbravadores que chegam ali interessados na história do lugar.

A enorme área verde que a circunda, sob a guarda da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, está descaracterizada de seu paisagismo original. Lá não há caminhos para circulação ou qualquer equipamento de lazer.

Uma árvore com risco de queda demorou mais de seis meses para ser retirada. Depois, mais seis meses se passaram até que fosse substituída.

Posta à venda pela própria família Warchavchik, a casa foi aberta ao público em dezembro de 1983, mas como um plantão de vendas para torres de apartamentos. Ironia do destino, a obra pioneira do arquiteto que desafiou os ornamentos considerados supérfluos ou mesmo ridículos poderia dar lugar a um condomínio que se chamaria Palais Versailles.

"Surgiu um movimento espontâneo de moradores e estudantes de arquitetura que reivindicavam aquela construção histórica e aquela área verde, tão rara em São Paulo, como sendo de interesse público", conta o arquiteto Ayrton Camargo e Silva, um dos líderes da agitação popular.

O ativismo do grupo fez a Casa Modernista ser reconhecida como patrimônio histórico nas esferas federal, estadual e municipal, e a manteve aberta entre 1990 e 1995, sob cuidados de uma associação.

Nem as proteções nem a articulação popular, no entanto, foram garantia de implementação de um projeto cultural e ambiental. Sob a guarda da Secretaria de Estado da Cultura, a casa definhou até 2001, quando foi fechada para uma arrastada obra de restauro.

Sem destinação, foi cedida à prefeitura em 2008, quando reabriu ao público para integrar o Museu da Cidade e foi objeto de um grande projeto de requalificação, inviável diante da escassez de recursos.

Aprovada nas três instâncias do patrimônio, essa requalificação passou a dificultar pequenos reparos na casa, já que os órgãos de preservação exigiam um projeto consentido.

"O ótimo acabou se tornando inimigo do bom e do razoável", avalia o atual diretor do Museu da Cidade, Marcos Cartum, instância da Secretaria Municipal da Cultura que não tem dotação orçamentária própria. Segundo Cartum, são gastos cerca de R$ 700 mil ao ano na manutenção e segurança da Casa Modernista.

"Uma das nossas prioridades é dar dignidade à Casa Modernista, que é um espaço privilegiado para exposições ligadas à arquitetura e ao design", afirma. De acordo com ele, o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 deve ter na casa de Warchavchik o centro de suas celebrações.

Na visão de Lira, o professor de arquitetura, a busca de um estatuto público mais forte para a casa e seu parque deveria passar por sua íntima relação com o movimento modernista e seus maiores nomes.

"O modernismo faz parte do DNA de São Paulo, é indissociável da cultura da cidade. É, portanto, impressionante que ainda não haja um lugar de referência sobre este movimento na capital paulista."


Visite as mostras

Casa Modernista 
Rua Santa Cruz, 325.Abertura: sábado (27/4), às 13h. De terça a domingo, das 9h às 17h, até 28/6

Ocupação Gregori Warchavchik 
Av. Paulista, 149. De terça a sexta, das 9h às 20h; aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h

Museu Lasar Segall 
Rua Berta, 111. De quarta a segunda, das 11h às 19h

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