Descrição de chapéu The New York Times

Por que importa que o regente da Metropolitan Opera de Nova York seja gay

Escolha do canadense Yannick Nézet-Séguin representa que uma nova geração está chegando ao poder

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Zachary Woolfe
Nova York | The New York Times

Não foi amor à primeira vista, quando Yannick Nézet-Séguin, o novo diretor musical da Metropolitan Opera de Nova York, e seu parceiro, Pierre Tourville, se conheceram, como estudantes do Conservatório de Montreal, há quase 25 anos.

“Eu sentia que precisava me emancipar, sair da casa dos meus pais, como as pessoas costumam aos 20 anos”, disse Nézet-Séguin. “Você e sua melhor amiga estavam procurado um apartamento”, ele disse, se voltando na direção de Tourville, “e eu disse que moraria com vocês”. O violista Tourville admite, rindo, que estava “saindo com muita gente ao mesmo tempo” na época. E Nézet-Séguin estava envolvido em um relacionamento que durou quatro anos —com uma mulher.

Mas Tourville acreditava mesmo que Nézet-Séguin fosse heterossexual? “Não por muito tempo”, brincou Tourville. “A coisa ficou clara. Rapidamente.”

Trocar confidências sobre como alguém conheceu seu par romântico não é raro no Julius, um dos mais antigos e aconchegantes bares gays de Nova York. Mas a conversa mesmo assim parecia extraordinária, por envolver o diretor musical da maior instituição de ópera dos Estados Unidos.

Embora criadores de tendências, espectadores e artistas gays estejam firmemente associados à cultura, e especialmente à alta cultura, é um sinal de o quanto os nossos conceitos de autoridade estão defasados que poucos dos líderes importantes das instituições de artes cênicas sejam gays.

Mesmo em Nova York, a cidade que deu origem ao moderno movimento de defesa dos direitos dos gays, com os protestos contra a brutalidade policial na casa noturna Stonewall, cinquenta anos atrás, o mundo da música clássica e da ópera foi dominado desde aquela época por dois regentes, Leonard Bernstein e James Levine, que optaram por manter ocultos os seus relacionamentos sexuais com homens.

Assim, uma conversa casual sobre sair do armário, bullying e Celine Dion com Nézet-Séguin e Tourville representa um sinal de que uma nova geração está chegando ao poder, e para ela as questões de orientação sexual são muito menos complicadas. E isso reforça a sensação de que a indicação de Nézet-Séguin, 43, representa um marco, e não só para a ópera.

A despeito de pioneiros gays como Michael Tilson Thomas (na sinfônica de San Francisco) e Marin Alsop (em Baltimore), a regência de orquestras continua a ser uma profissão em que os heterossexuais, e acima de tudo os homens brancos, mantém domínio esmagador. Como em outras áreas da sociedade —negócios, política, esportes—, a música vem enfrentando dificuldades para promover líderes que escapem de seus moldes tradicionais. E o fato de que o setor seja passadista e tenha centros fortes em países como a Itália e a Rússia, onde valores reacionários ainda predominam, não ajuda.

“Orquestras e companhias de ópera são microcosmos de nossa sociedade e de nosso mundo, e isso é uma representação dele”, disse Deborah Borda, presidente-executiva da Filarmônica de Nova York e parceira afetiva de Coralie Toevs, diretora de desenvolvimento da Metropolitan Opera.

“Se você pensa na sociedade ocidental, o epítome da liderança —e há quem ensine sobre isso em cursos— é o maestro. E o modelo é Toscanini: um homem posicionado no pódio e dotado de autoridade completa, que simplesmente diz aos outros o que fazer. Ele é grandioso, branco e completamente patriarcal.”

Levine, o predecessor de Nézet-Séguin no Met, foi demitido no ano passado depois que uma investigação sobre a companhia revelou delitos de conduta sexual. Ele negou as acusações, mas ninguém contesta que sempre manteve feroz reserva sobre sua vida pessoal. O contraste com Nézet-Séguin, que sempre foi assumidamente gay e despreocupado quanto a isso, é evidente.

“O fato de que ele se sinta confortável com aquilo que é faz parte do que o torna um líder artístico poderoso e efetivo”, disse Peter Gelb, diretor-geral da Metropolitan Opera. “Porque ele se orgulha de ser quem é, e isso é muito importante."

Embora não tenha desejado “alardear” demais seu relacionamento, Nézet-Séguin vê a ele e Tourville como uma expansão do conceito do que um maestro pode ser.

“Isso está se tornando mais importante para mim”, ele disse, “simplesmente perceber que nós dois podemos de certa forma ser exemplos, e inspirar músicos jovens que temem que isso possa ser um problema em sua profissão e para o avanço de suas carreiras. E quero exercer esse papel cada vez mais.”

Os dois cresceram na província canadense de Quebec, Nézet-Séguin na cidade de Montreal e Tourville em Trois-Rivières. Mesmo que declarar aos dez anos de idade que queria ser maestro o marcasse como uma criança incomum, Nézet-Séguin diz que não foi zoado por isso. 

Em 2000, ele se tornou diretor musical da Orchestre Métropolitain de Montreal —e em 2003, condutor de Tourville na orquestra. Depois, assumiu a Filarmônica de Roterdã e a Philadelphia Orchestra (onde seu contrato foi estendido até 2026). Tourville teve papel importante na decisão de Nézet-Séguin de se concentrar em Filadélfia, Nova York e Montreal, e de reduzir seu trabalho na Europa, por enquanto.

Boa parte da mobília deles ainda está em Roterdã —e inclui um sofá “lua” de Zaha Hadid; eles estão cuidando da mudança para o apartamento que alugaram perto do Lincoln Center. Quando isso acontecer, as coisas serão menos frenéticas, pelos próximos anos. “Acho que o nosso tempo privado terá de ser guardado com muito zelo”, disse Tourville. “E gostamos de ter noites aconchegantes em casa, com uma boa refeição, cozinhada em casa, e de assistir ao canal HGTV. Essa é a noite ideal”.

Tourville se referiu com uma risada ao estereótipo sobre “a mulher do maestro”, que comparece agressivamente até aos ensaios da orquestra. Ele mesmo só assiste às apresentações. “Acho que o conheço bem o bastante”, ele disse sobre Nézet-Séguin, “para saber quando ele está tentando alguma coisa, ou sendo menos que natural musicalmente”.

E Tourville tem razão quanto interfere? Nézet-Séguin, sorrindo: “Sempre”.

Assim, Tourville será um conselheiro musical importante agora que Nézet-Séguin está buscando encerrar a era Levine, não só simbólica mas musicalmente.

“A presença básica do som da orquestra não é exatamente o que imagino poderia ser”, disse Nézet-Séguin, em seus mais detalhados comentários públicos até o momento sobre as intenções que tem para a orquestra da Metropolitan Opera. “Acho que o som é meio seco, o piano não tem muita vida, e em momentos de andamento forte a orquestra talvez apresente algum desequilíbrio interno."

Para a recente produção nova de “La Traviatta” pela Metropolitan Opera, disse Nézet-Séguin, ele trabalhou com a orquestra em um som “muito mais rico, ressonante, pizzicato, com ênfase nos graves; violoncelos e baixos —me preocupo muito com o que eles precisam fazer. Não porque não sejam bons, mas porque por anos foram instruídos a pegar o mais leve e delicadamente que pudessem”.

“Era essa a concepção sonora do meu predecessor”, ele acrescentou. “Minha ideia é completamente diferente, e muitas vezes perdemos o que há de fundamental na harmonia. Sempre que a coisa é mais longa, rica e com mais vibrato, o espectro aural muda completamente”.

Um espectro aural de espécie diferente - e um espetáculo excêntrico até mesmo pelos padrões da ópera - foi ao ar em outubro, quando Nézet-Séguin foi o tema de “En Direct de l’Univers”, um programa do tipo “esta é sua vida” gravado pela TV nacional canadense, no qual a história é contada por meio da música e das pessoas que o personagem central ama. As sobrinhas e sobrinhos dele participaram, assim como seus pais e seu treinador. Rufus Wainwright cantou algumas canções.

Mas o clímax foi um dueto: “Quand On N’a Que L’Amour” [quando só existe o amor], de Jacques Brel, que Tourville cantou acompanhado remotamente por ninguém menos que Celine Dion. Nézet-Séguin chorou —principalmente, disse, “por ver Pierre cantando um dueto com seu ídolo”.

Os dois não se casaram, mas, para uma união gay, dificilmente poderia haver uma cerimônia mais sagrada. “Causou impacto”, disse Nézet-Séguin. “Não percebemos que isso aconteceu, mas causou impacto. Ei, dois caras cantando seu amor, com as bênçãos de Celine.”
 

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.