Milton Nascimento responde a Roger Waters horas antes de tocar em Israel

Waters, que apoia sanções contra Israel, pediu que o artista brasileiro não se apresentasse no país

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Tel Aviv

“Pouquíssimas vezes declinei de um convite. Afinal de contas, todo artista deve ir onde o povo está, não é mesmo?”, escreveu o cantor e compositor Milton Nascimento, que desembarcou em Israel na sexta-feira (28) para realizar um show único neste domingo (30). No post que ele publicou em redes sociais neste sábado (29) depois de visitar Jerusalém, Milton respondeu a críticas de quem promove um boicote total a Israel:

“Fui convidado a cantar aqui por uma empresa gerenciada inteiramente por um brasileiro. Somente com essa informação cai por terra qualquer tipo de argumento de que eu esteja contribuindo com o ‘apartheid israelense’. Este show NÃO (sic) tem qualquer incentivo do governo de Israel, muito menos do exército israelense”, continuou o cantor carioca, criado em Minas Gerais.

“Durante a ditadura militar brasileira eu jamais deixei de tocar no meu país. Então, por que eu deixaria de tocar agora? Por que deixaria de compartilhar experiências de amor e mudança enquanto acontece no Brasil um governo de extrema-direita? Mesmo divergindo das ideias de um governo, jamais abandonarei meu público."

O post foi uma resposta direta a uma carta que Milton recebeu do cantor e compositor Roger Waters (ex-Pink Floyd), um dos maiores apoiadores do movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel), que há pouco mais de 15 anos pressiona artistas internacionais a não se apresentarem em Israel alegando que o país comete crimes contra os palestinos: “Quando li que ele estava planejando cruzar a linha de piquete do movimento de BDS para se apresentar em Tel Aviv, fiquei chocado. Eu escrevi para Milton pedindo uma oportunidade de falar com ele. Nem ele nem ninguém de sua equipe me respondeu”, escreveu Waters.

 
Entre os comentários ao post de Milton –entre eles, muitos criticando ainda mais o músico– está o da colega Fafá de Belém, em solidariedade a “Bituca” e diretamente contra Waters: “Ontem li um cara que eu admirava como musico mas nunca vi em nenhuma trincheira real. Que COM CERTEZA nunca teve seus shows cancelados e dificuldades na carreira por ter tomado posições corajosas, este BABACA veio falando do que não sabe e julgando o que não tem direito! PHODA-se @rogerPinkFloyd e VIVA MILTON NASCIMENTO”.

O BDS fez uma campanha online contra o show, assim como faz com a maioria dos grandes nomes da música (e de outras áreas). Mas a pressão não conseguiu evitar a apresentação de Milton, parte da turnê “Clube da Esquina”. Da lotação de 2400 pessoas do Auditório Charles Bronfman, em Tel Aviv, metade dos ingressos já foram vendidos, número médio para os outros shows recentes de Milton na Europa (Londres, Zurique, Amsterdã, Madri, Lisboa e Porto). Depois de Tel Aviv, Milton volta à Europa para dois show (em Berlim, dia 5, e Paris, 6) antes de voltar ao Brasil para continuar o giro.

Em 12 de junho, o BDS publicou um pedido público em sua página na internet com o título “Milton: a voz que vem do coração diz não ao apartheid”. A ONG cita que o cantor Caetano Veloso, após se apresentar em Tel Aviv em 2015, anunciou que nunca mais tocaria em Israel em artigo publicado na Folha.

O BDS também afirma que, em 2018, Gilberto Gil cancelou sua apresentação em Tel Aviv “após os massacres de palestinos em Gaza perpetrados por Israel”. Mas Gil explicou à ONG pró-Israel StandWithUs Brasil que o cancelamento nada tinha que ver com o BDS e que ele se apresentou em Israel mais de 10 vezes. No caso de Milton Nascimento, 76, o músico brasileiro nem cogitou o boicote, segundo os produtores.

“Teve manifestaçõezinhas no final de vários shows. Sempre com meia dúzia de pessoas, com bandeirinhas”, contou o produtor musical brasileiro Manitu Szerman, da Yellow Noises, responsáveis pelos shows na Europa. “Ele (o Milton) na verdade não viu as manifestações, mas tem acompanhado um pouquinho esse processo. Teve uma conversa e a gente chegou a essa conclusão, de que não tem nada a ver (cancelar). Pessoalmente, sou contra boicotes. A música deveria estar além dessas coisas todas e acima das limitações políticas”, disse Manitu, já levou à Europa nomes como João Donato, Martinho da Villa e Nando Reis.

O produtor do show em Israel, o brasileiro Daniel Ring, da produtora Octopulse, diz que já havia preparado os empresários de Milton para o que aconteceria: “Já tivemos vários casos assim. Antes até de fechar e começar a divulgar, enviei uma carta para eles explicando exatamente o que ia acontecer. Falei que havia 100% de chance de haver protestos de um grupo, do BDS. Eles já tavam estavam preparados para isso”.

Segundo Ring, o BDS utiliza táticas que incomodam os artistas, como sites, abaixo assinados e campanhas online, além envio de e-mails com teor que pode ser interpretado como ameaçador: “O BDS, além têm umas táticas muito agressivas. A pessoa fica meio com medo. Não acho que é por aí que vc resolve um conflito”.

Entre os sucessos culturais do BDS (que também promove boicotes acadêmicos, econômicos e esportivos) estão o cancelamento do show do rapper americano Matisyahu no festival Rototom da Espanha (2015) e suspensão de shows em Israel de artistas como Lorde, Gorillaz, Elvis Costello, Stevie Wonder e Lana Del Rey. 

Mas o BDS mais falha do que obtém vitórias. Só no ano passado, diversos artistas se apresentaram em Israel, apesar das pressões, entre eles Ringo Starr, Backstreet Boys Jamiroquai, Enrique Iglesias, Ozzy Osbourne, Alice in Chains e Queen.

Em maio deste ano, por exemplo, 41 países participaram da competição musical Eurovision em Tel Aviv, apesar dos pedidos de boicote. A cantora Madonna se apresentou no show final. Nos próximos meses, Daddy Yankee, Stanley Clarke, Tom Jones, Stone Temple Pilots, Slash, Paul Anka, Bon Jovi, Jennifer Lopez, Lionel Richie, Suede e Eros Ramazzoti estão marcados para se apresentar.

A turnê “Clube da Esquina” começou em março em Juiz de Fora – onde Milton Nascimento vive com seu filho e empresário, Augusto Kesrouani. Passou por outras cidades de Minas, por São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba. Depois dos shows internacionais, o giro volta ao Brasil com apresentações em Ribeirão Preto, João Pessoa e Recife.

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