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Artes Cênicas

Fundadora do Théâtre du Soleil estreia em português com comédia cortante

No musical 'As Comadres', Ariane Mnouchkine usa selos de promoção e ode ao bingo para expor conflitos sociais

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As Comadres

  • Quando Qua. a sáb.: 21h. Dom.: 18h. Até 28/7
  • Onde Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
  • Preço R$ 12 a R$ 40


O Pão de Açúcar, que é do grupo francês Casino, iniciou há dois anos a promoção Loucos por Selos. Vende facas, panelas e agora taças com desconto para quem colecionar os comprovantes de compra.

Talvez por coincidência, os selos estão no centro de “As Comadres”, no original “Les Belles-Soeurs” ou as cunhadas, versão musical da peça que é tida como marco inicial do teatro canadense contemporâneo em língua francesa.

É o espetáculo que a diretora francesa Ariane Mnouchkine, 80, decidiu realizar no Brasil quando surgiu a chance de uma produção local, encabeçada por atrizes brasileiras de seu grupo, Théâtre du Soleil, Juliana Carneiro da Cunha e Fabianna Mello e Souza.

A peça, que estreou no final dos anos 1960 em Montréal, é listada entre as mais importantes da história do teatro ocidental por ter introduzido no palco o linguajar e as próprias personagens das camadas mais pobres do Canadá.

A transposição para musical em 2010, acrescentando 15 canções, aprofundou o viés brechtiano, presente no pano de fundo econômico, com elementos antirrealistas como a comunicação direta com a plateia.

Mnouchkine não assina o espetáculo como diretora e sim “supervisora”, por seguir a encenação de 2010, de René Richard Cyr. Mas “As Comadres” tem muito de seu teatro, a começar pela lapidação e concentração emocional das atuações. Embora feito formalmente fora do Théâtre du Soleil, reproduz e até amplia sua opção comunitária.

São mais atrizes do que previa o musical, 20 para 15 personagens, e a individualidade se dilui num revezamento diário nos papéis. Na apresentação vista, Carneiro da Cunha fazia Gabriela e Mello e Souza fazia Romilda, mas também elas entram no revezamento. Alternância que vale ainda para protagonistas do gênero musical no país, como Laila Garin e Maria Ceiça.

Elas podem se diferenciar, nos quadros que dominam, mas as quase duas horas são de qualidade persistente, sem baixos. Na apresentação, o destaque, talvez inevitável, foi Janaína Azevedo, que fez Germana, a personagem central.

Mas várias canções chamam a atenção, sobretudo pela comicidade, parodiando gêneros diferentes, do jazz à música erudita, para desenhar papéis como Pietra, irmã mais nova e proscrita de Germana, e Lisette, que se faz de rica.

Com o grande elenco e a alternância, ao que parece, Mnouchkine busca explicitar o poder coletivo de 20 mulheres em cena —e também se solidarizar com os artistas brasileiros, que vê, como afirmou à imprensa francesa, acuados e em situação alarmante.

A peça, ainda que evite levantar bandeiras, tem fortes traços feministas. A opressão no Brasil de 2019 refletiria aquela do Canadá de 1965, quando Michel Tremblay escreveu “Les Belles-Soeurs”.

Em tempo, a trama: Germana consegue 1 milhão de selos de uma promoção que promete mudar sua casa e vida e convoca parentes e amigas para colá-los nas cartelas, madrugada afora. Seguem-se episódios tragicômicos de mesquinharia, furto e conflitos baixos, disputando miséria.

As personagens não são feministas, mas tudo é às claras, com efeito revelador, como se relata que aconteceu na Montréal de meio século atrás. Estão ali, se não as próprias mulheres da plateia paulistana, as tias ou as mães de muitos.

Funciona bem, comicamente, o linguajar mais suburbano, ao que parece mais carioca, da tradução de Júlia Carrera, assim como os versos adaptados pelo diretor musical Vladimir Pinheiro e por Sonia Dumont, para canções como uma ode ao bingo.

“As Comadres” é sobretudo prazerosa. A exemplo de Antunes Filho, que escreveu depois dos 80 um musical sobre Lamartine Babo, ou de Zé Celso, que remontou o musical “Roda Viva”, de Chico Buarque, Mnouchkine quis um espetáculo popular, embora cortante, para esta sua estreia no teatro brasileiro.

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