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Cinema

Edição especial da Cahiers du Cinéma destaca qualidade dos filmes do Brasil

Revista mais influente da cinefilia abordará em setembro a boa safra da produção atual do país

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Udo Kier em 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Cena de 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Divulgação

Ariel Schweitzer não tem medo de enunciar o lugar-comum, embora com um sorriso irônico. “Quando o país vai mal, o cinema vai bem.”

O israelense radicado na França é professor de cinema na Universidade Paris 8 e membro do conselho de redação da revista Cahiers du Cinéma. Cabe a ele organizar o número especial sobre cinema brasileiro a sair em setembro na publicação, coincidindo com a estreia de “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles na França.

Schweitzer conhece bem o Brasil. Tem família em São Paulo e desenvolveu amizade com professores brasileiros.

Mas não são razões pessoais que o levaram à formulação desse dossiê. Ele partilha com a redação da revista de cinema, até hoje a mais influente, o entusiasmo com o momento especial do cinema do Brasil. Para começar, há as premiações, sobretudo as de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, e de “Bacurau” no último Festival de Cannes.

Ele acredita que a descentralização da produção seja o mais importante. Até o final do século 20, ela era concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje há cineastas importantes em vários lugares.

Schweitzer tem consciência de que isso começou em Pernambuco, com apoio do governo estadual num momento de crise, nos anos 1990. E se entusiasma com o trabalho de oficinas desenvolvido no Laboratório de Cinema, em Fortaleza, de que participam Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, de “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar”.

Entre os filmes recentes, além dos de Cannes, Schweitzer destaca “Divino Amor”, de Gabriel Mascaro, e “Los Silencios”, de Beatriz Seigner. 

Esses cineastas estão na linha de frente da atual geração, assim como Iberê Carvalho (“O Homem Cordial”), Adirley Queirós (“Era uma Vez Brasília”), André Novais Oliveira (“Temporada”), Affonso Uchoa e João Dumans (“Arábia”), o grupo Filmes do Caixote (“As Boas Maneiras”) e Gabriela Amaral (“O Animal Cordial”).

Para Schweitzer, o mais impactante nesse cinema do século 21 é a nova visão do Nordeste, que deixa de ser visto como coração nacional, construção do cinema novo a partir de Euclides da Cunha, para se firmar como lugar moderno do drama contemporâneo, como a qualquer outro lugar.

 

Entre os brasileiros que elenca, Schweitzer chama atenção para a contradição que envolve “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Barbosa, que teve 85 mil espectadores na França e mal chegou aos 40 mil no Brasil.“É um filme profundamente político, mas não foi visto como tal no Brasil.”

Eis aí duas sombras que pesam sobre a atual geração —a melhor do cinema brasileiro desde o o cinema novo e os chamados “marginais”.

Em primeiro lugar, a distribuição precária e desigual. Em segundo, a aparente dificuldade do público em notar o que é um filme político.

É verdade, nos falta uma tradição de cultura cinéfila, e o momento é de paixões políticas exacerbadas, em que o espectador busca imagens que referendem seu modo de ver o mundo. Mas essa não é a principal nuvem que paira sobre o cinema brasileiro hoje. 

Schweitzer sabe que o corte de patrocínio e o desinteresse do governo pelo cinema podem reduzir a dimensão do atual ciclo, poupando apenas, talvez, cineastas já conhecidos no exterior e que mais facilmente podem conseguir coproduções com europeus.

No meio disso, há boas notícias. “Divino Amor” estreou fazendo quase 80 mil ingressos no país, o que é animador. É um caso quase isolado, já que filmes de menor apelo popular por vezes nem chegam a 10 mil espectadores, apesar de boa recepção crítica.

Se, além disso, a produção de caráter mais popular encolher, as dificuldades serão maiores para o cinema mostrar que o audiovisual é, também, uma questão econômica. 

Caso as nuvens engrossem, o lugar-comum que abriu essa conversa pode mudar, entrando em cena uma situação que também conhecemos —quando o país vai muito mal, o cinema também vai mal.

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