Foi no Instagram, apelidado de “rede antissocial” por Pedro Cardoso, que este livro começou. Na verdade, a filha Maria achou importante o pai divulgar suas peças de teatro na internet, mas, como ele mesmo conclui nessas páginas, era impossível ver o que estava acontecendo (e, pior, para acontecer!) com o Brasil e ficar quieto.
O autor se considera um amador lançando um compilado “de ideias”, deixa claro não se tratar de filosofia política ou obra de ciências sociais, mas acredito que mesmo o leitor mais exigente vai gostar deste belo panorama-tratado “a quente” sobre os últimos e mais importantes acontecimentos políticos do país.
O livro inicia de trás para a frente (começa com Bolsonaro presidente e termina no governo de Temer) e até nisso nos lembra um país de ponta-cabeça.
Acompanhei boa parte das reflexões apresentadas nessa obra quando ainda estavam na telinha apertada de um aplicativo de celular. Apesar da quantidade exuberante de pessoas que ali entravam para defenestrá-lo (só para dar um dos exemplos mais absurdos: defendiam até a volta da tortura), não foi por isso que o autor, ator e dramaturgo desistiu da plataforma e preferiu registrar seus pensamentos no papel.
Foi porque ele precisava libertar a si próprio e seus leitores de trabalhar de graça para um patrão que não paga e ainda trata “os funcionários” como dados de pesquisa de mercado.
Pedro Cardoso defende o formato livro: “um meio de comunicação isento”. E em tempos de tantas livrarias fechadas, acredito ser essa uma briga tão decente quanto urgente: “uma relação comercial evidente, limpa e honesta… na qual pagamos por um objeto que nos faz pensar e ainda ficamos com ele, sem publicidade ou invasão de robôs agressivos”.
Tirando a fé nas baboseiras de Olavo de Carvalho ou a pregação das estultices proferidas pelo atual presidente e seu entourage, Cardoso diz respeitar todas as religiões.
Afirma que o slogan “Deus acima de tudo” significa “o meu Deus acima de tudo” e que o fascismo de direita tem na religião o seu grande fiador. Declara que era eleitor convicto do PT até o mensalão e que, nas últimas eleições, apoiou Ciro no primeiro turno e Haddad no segundo.
Confessa que a cada divulgação dos “absurdos messiânicos” (como se refere aos enunciados de nosso chefe de Estado), uma voz se insurgia dentro dele e o fazia falar com as paredes, o teto, a sua imagem no espelho.
Mas tem mais: Pedro Cardoso, bem diferente do seu personagem folgado Agostinho Carrara, nos conta que, uma vez morando em Lisboa, arruma, lava e passa. Por lá, como em boa parte dos países desenvolvidos, ter empregados, além de ser caríssimo, é inusual e excessivo.
Tenho saudade dos vídeos em que ele aparecia recém-acordado, pijamão e café, e falava, sem falsetes eruditos, porém com a facilidade e a clareza dos muito oniscientes, o que o Brasil tanto precisava ouvir. Eu sei que este é um espaço para resenhas e que eu deveria me ater a dar nota à obra, mas minha veia autoral me persegue e preciso dizer aqui o quanto simpatizo com esse sujeito, suas peças de teatro e suas dicas de leitura.
No texto de encerramento, o autor nos conta que no dia em que terminava de organizar o livro, viu a notícia de que soldados disparam 80 vezes contra o carro de uma família inocente, matando o motorista: “Quem pode negar que estamos vivendo a barbárie? Não consigo ainda calar a minha primeira pessoa”.
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