Decisão que permitiu recolher livros na Bienal é censura, dizem especialistas

Segundo advogados ouvidos pela Folha, ato não tem respaldo legal e discrimina comunidade LGBT

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Advogados consultados pela Folha avaliam que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de autorizar a prefeitura a recolher obras LGBT é discriminatória e configura censura.

A decisão foi publicada na tarde deste sábado (7) pelo presidente do órgão, o desembargador Claudio de Mello Tavares. Ela suspende uma liminar anterior do mesmo tribunal que impedia a prefeitura carioca de apreender livros na Bienal e de cassar o alvará do evento.

Segundo o parecer assinado por Mello Tavares, obras que ilustram o tema da homossexualidade atentam contra o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, e, portanto, devem ser comercializadas em embalagens lacradas, com advertência sobre o seu conteúdo. Do contrário, devem ser recolhidas —e o alvará da Bienal, cassado.

O advogado e colunista da Folha Thiago Amparo discorda da interpretação do presidente do tribunal carioca. Ele, que é professor de políticas de diversidade na Fundação Getúlio Vargas, afirma que não há respaldo na lei vigente, além de ir na contramão de uma decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal, o STF, que reconhece a união estável entre casais homoafetivos.

"Ele faz um juízo de valor sobre ser obsceno um simples beijo entre dois personagens de desenho e assim pratica censura de conteúdo sem respaldo legal", afirma, referindo-se à ilustração que iniciou o imbróglio.

Publicada nas últimas páginas da HQ "Vingadores - A Cruzada das Crianças", ela mostrava dois homens completamente vestidos se beijando. Na quinta (5) à noite, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, havia chamado atenção para o título em um vídeo no Twitter, afirmando que tinha ordenado à organização da Bienal seu recolhimento.

Também professor, no caso da Universidade de São Paulo, a USP, o doutor em direito Conrado Hübner Mendes concorda com Amparo. E acrescenta que, neste caso, a censura tem origem em um ato discriminatório. "O desembargador considera o beijo homossexual pornográfico e obsceno, o beijo heterossexual não", compara.

Vale notar que o trecho do ECA citado por Mello Tavares na decisão não fala em homossexualidade. Segundo o estatuto, "as revistas e publicações destinadas ao público infantojuvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Em nota, a Bienal disse que vai recorrer ao STF para que impeça novas ações da prefeitura e tentativas de censura.

Os fiscais da prefeitura foram mais uma vez à feira na tarde deste sábado (7), depois de voltarem de mãos abanando no dia anterior.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.