Sinfonia de Beethoven será tocada com fúria de 200 anos atrás

Conjunto de Música Antiga da USP apresenta 'Eroica' com a sonoridade que o compositor empregou em sua estreia

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São Paulo

​Eleita a maior sinfonia da história por maestros e considerada um marco, a “Eroica”, de Ludwig van Beethoven (1770-1827), será executada pela primeira vez no Brasil com a sonoridade que o compositor empregou em sua estreia, há 215 anos.

​Usando instrumentos idênticos aos do começo do século 19, o Conjunto de Música Antiga da USP terá, em três apresentações no Sesc, 39 músicos, mesmo número da estreia pública em 1805, em Viena.

Uma quarta apresentação, com 28 músicos, reproduz a estreia privada, em 1804, no palácio do príncipe Lobkowitz, patrono do compositor. 

A execução por orquestra menor e instrumentos de época restitui o colorido do timbre e o efeito simbólico que não pode ser obtido “nem mesmo aproximadamente” por orquestras modernas, afirma a diretora artística do conjunto, Mônica Lucas.

Escrita quando o compositor alemão completava 34 anos e sua surdez começava a se manifestar, a “Eroica” marca a fronteira entre a razão e o padrão estético clássicos e a emoção do romantismo.

Por isso, foi recebida com espanto na estreia. Era “disforme, diabólica, barulhenta” para os que a estranharam; “arrebatadora, ousada, original” para os que se apaixonaram. A força da obra, diz a diretora, não vem de elementos inéditos, mas do contexto.

Um exemplo são as sequências de acordes repetidos numa composição que, “pela insistência, fica obsessiva e muito moderna”, acrescenta a diretora.

A agressividade da “Eroica” é marcante, afirma: “Os acentos têm força impensável até então, e as mudanças entre as partes são abruptas”.

A duração da “Eroica” também foi surpresa. Só o primeiro movimento é mais longo que uma sinfonia inteira de Haydn, e o tempo total, que pode ultrapassar os 50 minutos, dependendo da execução, é o dobro do que era comum.

Para recriar a sonoridade do século 19, o conjunto usa a “abordagem historicamente informada”: estuda manuscritos e edições, tratados, literatura, descrições e cartas para definir a interpretação.

“É como um texto a pena e tinta. É possível imitar o desenho com uma esferográfica, mas o efeito é outro”, compara o regente, William Coelho. 

Maestro e diretora observam que a afinação dos instrumentos antigos acrescenta personalidade às composições. A tonalidade da “Eroica” produz um caráter “colérico”.

Segundo a diretora artística, “é a peça ideal para um momento de desmonte da cultura e das universidades”. Ela relata ter sido criticada por pesquisar “um compositor não brasileiro” e enfrentado corte de verbas.

“Heroico é o esforço, o sacrifício que cada um de nós faz para estar neste lugar”, diz. Para apresentar a sinfonia, o grupo foi reforçado por 6 músicos da Argentina e 12 de todo o Brasil. Nenhum recebe cachê.

As apresentações têm o selo das comemorações oficiais dos 250 anos de nascimento de Beethoven, que se completam em 2020. Ano que vem, o projeto é interpretar a 9ª Sinfonia. No seguinte, será a vez da “Pastoral”. “Se sobrevivermos até lá”, diz a diretora.

Furioso, compositor retirou homenagem a Napoleão

“Buonaparte” era o título da 3ª Sinfonia de Beethoven, uma homenagem do compositor ao general francês, visto por ele como herói dos ideais da Revolução Francesa.

Napoleão, porém, se autoproclamou imperador em 1804. Ao saber da notícia, Beethoven teve um acesso de fúria e rasgou a capa do manuscrito, segundo relato de seu então discípulo, Ferdinand Ries.

A peça acabou rebatizada como “Sinfonia Eroica - composta para celebrar a memória de um grande homem”.

Como era na época de Beethoven

Tamanho da orquestra
Hoje: Orquestras sinfônicas têm mais de 80 músicos (algumas superam os 100)
Na época de Beethoven: número era a metade do atual

Instrumentos
Hoje: Usam cordas de aço, flautas são de metal, instrumentos de sopro chegam a ter 20 chaves
Na época de Beethoven : Cordas de tripa, arcos mais curtos, flautas de madeira, sopros têm no máximo 5 chaves

Sonoridade
Hoje: Instrumentos ressoam mais e permitem profusão e virtuosismo
Na época de Beethoven: Notas mais destacadas dão colorido e flexibilidade

Afinação
Hoje: Oitavas são divididas em 12 intervalos idênticos
Na época de Beethoven : Intervalos desiguais, alguns muito mais ‘puros’ e outros mais ‘sujos’ que os atuais 

Personalidade
Na época de Beethoven: Por causa do temperamento desigual, tonalidades eram relacionadas a estados de espírito (melancólico, colérico, sanguíneo ou fleumático)

Andamento e expressão
Hoje: Andamentos de Beethoven foram alterados, e mudou o entendimento dos signos e acentos indicados na partitura

Eroica

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Eroica

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