'Tenho menos esperança hoje do que antes', diz escritor Andrew Solomon

Livro do autor, 'Longe da Árvore', vira documentário e estreia esta quinta (19) no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marcelo Zorzanelli
Cachoeiro de Itapemirim

“Se eu fosse como você, provavelmente me mataria.” A frase está no começo do documentário “Longe da Árvore”, baseado no livro homônimo do americano Andrew Solomon, escritor e professor de psicologia clínica na Universidade Columbia. 

Quem traz a frase é Joe Stramondo, um anão que tem braços e pernas de poucos centímetros. Joe diz tê-la ouvido já milhares de vezes. E, no entanto, lá vai ele, 30 e poucos anos, dando aulas em universidades e planejando ter filhos.

Filme e livro contam a história de famílias cujos filhos não saíram ao molde dos pais tidos como “normais”. O título é uma referência ao ditado americano “a maçã não cai longe da árvore”, versão do nosso “filho de peixe, peixinho é”.

“Acho que eu teria uma vida muito diferente se não tivesse passado anos em negação e tentando mudar quem sou”, diz Solomon à Folha. A falta de aceitação de seus pais em relação à sua homossexualidade é uma das linhas narrativas do documentário.

No filme, Solomon conta como rondava áreas mal iluminadas da Manhattan dos anos 1970 atrás de “doutores” que o curassem. A humilhação que relata ter sentido em meses de sessões com mulheres de aluguel (eufemismo para prostituição usado pelos charlatães) foi caminho para anos de depressão, transformados em sua obra mais famosa, “O Demônio do Meio-Dia”.

“O que escrevi poderia ter sido diferente se não tivesse tido na minha formação o trauma de não ser aceito em relação à minha sexualidade. Mas é importante dizer que meus pais nunca me rejeitaram
ou me expulsaram ou disseram que não queriam me ver.”

É esse pêndulo entre rejeição e acolhimento que dá força dramática ao documentário —no caso de Solomon, a delicada relação com a mãe que, apesar de querer que a homossexualidade “não fosse verdade”, estimulou sua escrita. 

Emily Kingsley, mãe de Jason, que tem síndrome de Down, conta o que ouviu dos médicos nos anos 1970: “Crianças que nascem nesta condição são separadas imediatamente antes que seja criado algum vínculo”. O filme não fala em eugenia, mas o fantasma está nas entrelinhas. 

Emily supera o assombro de ter um filho diferente e decide que ele terá uma vida saudável. Jason vira garoto-propaganda e aos quatro anos vai ao programa “Vila Sésamo” contar até dez. Em espanhol. Aos 41, trabalha e mora com amigos que também têm Down. 

Joe, o anão, gostaria que seus pais entendessem mais seus escritos acadêmicos, mas tudo bem. O amor e a compreensão estão presentes. Joe e a mulher, Leah (que também tem nanismo) planejam, durante o filme, uma gravidez. Eles querem que a criança seja também de baixa estatura —mas não ligam se for de tamanho normal. “Eu aprendi a lidar com diferenças”, diz Leah.

O foco do filme são famílias que superaram feridas e tabus para viver em harmonia. Os finais são felizes. “Longe da Árvore” é uma obra que fala da vitória do amor sobre a rejeição, do preconceito sobre a intolerância. Batalhas que estão sendo travadas na arena pública.

“Ao mesmo tempo que vemos avanços, vemos racismo, homofobia, antissemitismo e outras formas de preconceito sendo amplamente aceitas e até incentivadas implícita ou explicitamente por governos”, diz Solomon.

Se ele tem esperança? “Eu tenho menos esperança hoje do que há cinco anos. A feiura da humanidade tem sido exibida com orgulho, e a opinião de que íamos na direção do respeito e da gentileza é difícil de sustentar hoje.”

“Famílias têm a função de mediar a existência do indivíduo diante do mundo. E o tipo de famílias sobre as quais escrevi e que estão no filme são as que destroem a crueldade do mundo pedacinho por pedacinho, dia a dia. Eu acredito nisso.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.