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Filho combina firmeza e ternura ao relembrar relação com Elis Regina

João Marcello Bôscoli recorda uso de drogas pela cantora e mostra mãe presente e afetuosa em biografia

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Elis e Eu

  • Preço R$ 41,90 (200 págs.)
  • Autoria João Marcello Bôscoli
  • Editora Planeta

Na primeira página do primeiro capítulo de “Elis e Eu: 11 Anos, 6 Meses e 19 Dias com Minha Mãe” (ótimo subtítulo), João Marcello Bôscoli escreve sobre a mãe cheirando cocaína no banheiro de casa com outras pessoas.

Ele não viu a cena, mas ouviu, pois os sons não deixaram dúvidas. Na segunda página, recorda o horror que, anos antes, Elis Regina tinha de maconha. Na verdade, bastava sentir o cheiro de maconha num hotel que ela fazia as malas.

O título do capítulo é “Cansei de ser a polícia dos meus amigos”. Foi o que ela disse, dando a senha para a sua entrada no universo das drogas. Bôscoli escreve um parágrafo de apenas duas palavras: “Cedeu, enfim”.

O primogênito da cantora deixa logo claro que seu livro não pretende vestir a mãe de santa. E se mostra capaz de ser firme sem perder a ternura.

Elis Regina em 1974
Elis Regina em 1974 - Cristiano Mascaro/Divulgação

É notável o estilo que ele adota para narrar os lances finais da vida de Elis, aos 36 anos, em 19 de janeiro de 1982, depois de uma combinação de uísque e cocaína.

No quarto ao lado, Bôscoli bateu com um cabo de vassoura na parede para tentar despertá-la. Em seguida, viu o namorado da mãe, Samuel Mac Dowell, carregá-la nos braços. Elis estava de roupão. “Estiquei a mão e ainda toquei sua pele tentando arrumá-lo, fechando-o melhor.” É por ser prosaica que a imagem tem força.

O capítulo inicial também é um atestado de que não há sombra de oportunismo no livro. Bôscoli é um produtor musical bem-sucedido. Decidiu, 37 anos depois de perder a mãe, fazer um relato detalhado de sua relação com ela —deve ser porque sentiu ter chegado a hora.

Não se trata de um acerto de contas com o mundo, mas ele dispara bordoadas —sem dar nome aos alvos, para tristeza dos que esperam uma lista de desafetos da cantora.

Uma exceção é sua avó materna, cujo comportamento agressivo nos dias seguintes à morte da filha ele classifica de “insano”. “Era tóxica para mim.”

Ao avô materno, reserva palavras carinhosas. A outros parentes, não. Para o pai, o jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli, demonstra compreensão e carinho. Reconhece o machismo e a frieza, mas desmonta a imagem de vilão que a imprensa e amigos da cantora lhe colaram.

Para o padrasto Cesar Camargo Mariano, pai de seus irmãos Pedro e Maria Rita, apenas afeto e admiração.

A raiva é dirigida a alguns músicos e aos que viviam em torno da fama da mãe: “Vampiros, parasitas, puxa-sacos, bajuladores, alpinistas sociais, lobistas, o maldito networking, bando de encostos sorridentes”. Sem nomes.

É pena que o livro não mantenha a qualidade e o vigor até o final. Bôscoli é feliz ao, por exemplo, contar como acompanhou em Los Angeles, aos cinco anos, a gravação do histórico disco “Elis e Tom” —ela e Tom Jobim.

Nos capítulos seguintes, porém, perde-se em detalhes que são importantes para ele mesmo, mas que esfriam a narrativa. E surgem alguns clichês (“a atmosfera podia ser fatiada, tamanha a densidade”). O livro prende o leitor quando não se afasta de seu eixo, que é a relação entre mãe e filho.

Em tempos de evasão de privacidade como os de hoje, em que filhos viram mercadorias nas redes sociais, impressiona como Elis conciliava uma intensa vida profissional com seu papel de mãe presente, discreta, afetuosa e, quando necessário, rígida.

Ela despejou sua ira sobre Bôscoli quando ouviu o relato deslumbrado dele sobre um fim de semana passado na casa do filho de um político corrupto.

É a mesma artista que dizia “tem boi na linha, filho!”, para indicar que estava sendo vigiada, seguida e tendo seu telefone grampeado por agentes da ditadura militar.

O relato de que um inédito impasse artístico contribuiu para a depressão final de Elis é outro momento importante. É um livro valioso, apesar dos acidentes de ritmo.

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