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Artes Cênicas

Montagem aposta nas reverências a Beckett e perde atualidade

Mergulhado no enfadonho da repetição, 'Fim de Partida' reestreia e cumpre temporada no Theatro Municipal de SP

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Fim de Partida

  • Quando Reestreia em 15/11. Sex. e sáb., às 21h. Dom., às 19h. Até 24/11
  • Onde Theatro Municipal, pça. Ramos De Azevedo, s/ nº, República
  • Preço R$ 30


O teatro de Samuel Beckett não é fácil de encenar. Os temas clássicos do autor, como a falta de perspectiva da humanidade, a impossibilidade de comunicação, o fim da esperança, a falência da razão tendem à paralisia. Afinal, como expressar justamente a ausência, o vazio, o fracasso da humanidade em formular algo?

Mas a força de seu teatro reside na recusa ao mero diagnóstico literário e, em contrapartida, na forma como constrói um rigoroso mecanismo de cena para materializar esta nossa miséria. Na conjugação aparentemente aleatória de falas há um método profundo.

Em “Fim de Partida”, as palavras compõem um jogo simétrico de acontecimentos e espelhamentos inusitados. Tudo parece se mover numa estrutura pendular, geométrica, marcada por ritmos próprios.

Beckett cria sofisticadas formas de movimento para expressar a paralisia. A inação é expressa pelo giro em falso. Apesar disso, muitas montagens da obra do autor irlandês apostam numa cena imóvel.

É o que acontece na versão dirigida por Matteo Bonfitto em parceria com o grande ator japonês Yoshi Oida. Embora exista atenção e respeito pelas indicações de cena de Beckett, o mecanismo da peça funciona pouco. Há uma ênfase excessiva na palavra e pouca atenção para a função primordial do silêncio. Sem a orquestração das pausas que percorrem a obra, o texto se torna um falatório indistinto.

Também os personagens construídos de forma contraditória por Beckett são aqui estabilizados com um caráter fixo. Isso trava o mecanismo da peça e dissolve a sensação de vertigem causada pela dificuldade de enquadrar os acontecimentos em situações reconhecíveis. 

Em síntese, o que era para ser uma sofisticada sinfonia sobre o vazio da vida se torna o quadro paralisado e ingênuo de um mundo sem saída. Sem movimento, o espetáculo mergulha no enfado da repetição, como um jogo viciado ou um disco riscado.

Falta também mediação crítica que faça a peça ganhar força de atualidade. A montagem parece apostar na reverência a um clássico universal, sem fazer as perguntas sobre o significado no Brasil de hoje do pessimismo existencial de Beckett.

Acusar a ingenuidade do esclarecimento e da esperança hoje e aqui soa como uma liquidação conservadora que iguala todos os lados das forças políticas e sociais. É uma posição que faz a crítica à ingenuidade da razão soar como o recusa ao pensamento crítico.

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