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Na onda de 'Olhos que Condenam', nova série retrata presos inocentes

Por erro dos tribunais, pessoas passaram a ser vítimas de espancamento, linchamento moral e outras penitências

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São Paulo
Leandro Basílio Rodrigues, o Maníaco de Guarulhos, chutava várias vezes a cabeça de suas vítimas, todas mulheres, para ter certeza que elas estavam mortas. 

Foi o que o próprio assassino, que matou ao menos quatro mulheres segundo a sentença, disse a Ilana Casoy. A criminóloga está no comando de “Em Nome da Justiça”, do AXN, uma série documental sobre casos de pessoas que foram presas injustamente.

Um crime reconhecido por Casoy como de autoria do Maníaco de Guarulhos foi, nos tribunais, atribuído a outros três homens. Eles acabaram presos e ainda sofrem consequências diversas por causa da acusação. Entre eles, está Renato Correia de Brito, ex-namorado da vítima, cujo cadáver apresentava vários ferimentos na cabeça. 

A condenação de Correia de Brito será assunto do primeiro de 13 episódios que seguem o interesse da audiência por casos como o de “Olhos que Condenam”, produção da Netflix sobre o erro na condenação de cinco negros por estupro e assassinato nos Estados Unidos.
 

Essa onda, segundo Casoy, atesta a “saturação no audiovisual” de retratos de crimes de assassinos e psicopatas. “Só se fala disso, cara. Desde que existe a cota nacional [lei que desde 2012 obriga canais pagos a exibirem produções brasileiras], os canais têm mil programas não só com a mesma cara, mas até com os mesmos crimes”, diz Casoy.

Pesquisadora que desenvolveu interesse pela literatura e pelo audiovisual, ela é autora de “A Prova É a Testemunha”, sobre a morte de Isabella Nardoni, e “O Quinto Mandamento – Caso de Polícia”, sobre Suzane Richthofen, mentora do assassinado de seus pais. Os livros foram condensados no volume "Casos de Família".

Está ainda prestando consultoria para o longa “A Menina que Matou os Pais” —baseado nessa última história, com estreia programada para o ano que vem— e colaborou com outras produções policiais, entre elas “Dupla Identidade”, série de 2014 da Globo.

Entre os casos que ela vai analisar na nova série está o de Daniele Toledo, acusada em 2006 de matar a filha de um ano e três meses despejando cocaína na mamadeira dela. Toledo ficou 37 dias presa e, nesse período, foi espancada por 18 detentas. Segundo Casoy, as sequelas incluem perda de visão e de audição.

A Justiça reconheceu o erro depois que a perícia mostrou que não havia drogas no leite da criança. 
Também será relatado, no quinto episódio da série, o caso de Atercino Ferreira de Lima, condenado em 2017 a 27 anos de prisão sob a acusação de ter abusado sexualmente de seus dois filhos. 
 

A denúncia contra o vendedor foi feita em 2004, e ele foi obrigado a se afastar das crianças. Já quase adultas, elas afirmaram na Justiça que foram espancadas por uma mulher que vivia com a mãe delas para relatar à polícia que haviam sido molestadas.

A ideia do seriado, conta Casoy, nasceu depois de um estágio no Innocence Project, iniciativa americana voltada para a solução de casos semelhantes, em que a Justiça errou. 

Ela diz que entre os principais motivos que levam tribunais ao erro estão o reconhecimento de suspeito, a falsa confissão, a negligência de agentes do governo, a advocacia deficitária e a improbidade de especialistas.

A série procura abarcar todos esses elementos relacionados a cada um dos casos que apresenta. A criminalista defende que se crie uma cultura de valorização do que, no jargão jurídico, é conhecido como “dúvida razoável” —se a certeza não existir, o réu tem a seu favor a presunção de inocência.

“Se alguém me pergunta  se o cara de ‘Making a Murderer’ é culpado, minha resposta é simples: ‘acho que tem dúvida razoável, né?’, diz ela, mencionando outro caso explorado em obra audiovisual. “Making a Murderer” retrata a condenação injusta de Steven Avery por agressão sexual e tentativa de assassinato.

Steven Avery em foto usada na série documental 'Making a Murderer', da Netflix
Steven Avery em foto usada na série documental 'Making a Murderer', da Netflix - Divulgação

Solto após o reconhecimento do erro, Avery voltou a ser condenado por um assassinato de 2005. A série tem duas temporadas que põem em dúvida essa última condenação e acaba de ganhar a promessa de uma continuação no cinema. O novo desdobramento circunda uma confissão mais recente —um detento teria matado a mulher que, diz a Justiça, foi vítima de Avery. 

“Em Nome da Justiça” já tem o projeto de uma segunda temporada em andamento. Segundo Casoy, os casos escolhidos precisam ter comprovação processual. “A gente não está coletando histórias contadas por aí e que não se comprovem documentalmente. Há um filtro para, em primeiro lugar, saber se o caso se comprova”, diz a criminalista. 

“A gente gosta de ouvir todos os lados, quem acusa e quem defende. A gente tenta eleger o caso em que isso é possível”, diz. A criminalista conta também que as dificuldades da produção passam pela recusa de entrevistas. “Às vezes o próprio indivíduo [o réu] não consegue falar, ele chora tanto. E às vezes ele não quer mais ser visto”, diz. 

O que está fora do escopo do programa são os casos que questionam a Justiça em sua estrutura elementar. Esse tema atravessa duas obras que falam sobre a ordem social em que os tribunais se inserem. 

Peça "(In)justiça", da Companhia de Teatro Heliópolis
Peça "(In)justiça", da Companhia de Teatro Heliópolis - Divulgação

A imagem que ilustra essa página tem como autor Éder Oliveira, artista que retrata pessoas que são detidas e que, antes mesmo de um julgamento, têm suas fotografias estampadas nas páginas policiais.

Casoy, como Oliveira, pede atenção para o justiçamento que pode derivar também da forma como a imprensa expõe réus de modo prematuro.

E voltará ao cartaz, no Sesc Belenzinho, a peça “(In) Justiça”, da Companhia de Teatro Heliópolis, em que o público é posto no centro do julgamento de um jovem que mora numa favela com “o maior índice de criminalidade do estado”, segundo a peça.

“Procuramos trazer à cena uma fábula próxima da realidade, que busca revelar o quanto a Justiça brasileira é seletiva”, diz Dalma Régia, produtora do grupo. Nossas criações partem das nossas observações.”

Em Nome da Justiça

  • Quando Todo sábado, às 22h
  • Onde AXN
  • Direção Ilana Casoy

(In) Justiça

  • Quando Sex. e sáb., às 20h. Dom. e feriados, às 17h. De 15/11 a 8/12
  • Onde Sesc Belenzinho - r. Pe. Adelino, 1.000
  • Preço R$ 9 a R$ 30
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