Indústrias fonográfica e do turismo travam batalha milionária por direitos de músicas

Governo assinou medida que garante isenção no pagamento de royalties das canções tocadas nos quartos de hotel

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um quarto de hotel é um espaço público ou privado? Em relação ao pagamento de direitos autorais, essa resposta agora vale R$ 110 milhões.

Este é o valor que, segundo cálculos do Ecad —o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição—, autores vão deixar de receber por ano depois que o presidente Jair Bolsonaro assinou uma  medida provisória isentando hotéis e resorts do pagamento de direitos autorais por canções executadas em rádios e TVs nos quartos.

Jairo Malta

Publicada na última quarta -feira (27), a MP de número 907 acaba com “a arrecadação e a distribuição de direitos autorais a execução de obras literárias, artísticas ou científicas no interior das unidades habitacionais dos meios de hospedagem e de cabines de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial”.

Para o Ecad, que coleta e repassa aos artistas o dinheiro dos direitos das execuções públicas de música no Brasil, cerca de 100 mil artistas devem ser afetados pela medida. Chamada de Hora do Turismo, a medida provisória precisa ser aprovada por deputados e senadores em 120 dias para poder virar lei.

A discussão está baseada no que é considerado público e privado —músicas reproduzidas em restaurantes, corredores, elevadores e demais áreas coletivas continuam rendendo direitos— mas, na prática, expõe uma queda de braço entre os setores do turismo e da música no atual governo.

A mudança nos pagamentos ao Ecad, por exemplo, é uma reivindicação antiga, atendida após mobilização da rede hoteleira, representada pela Frentur, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Turismo.

Em nota, Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, disse que foi um dia histórico para o turismo brasileiro, que projeta gerar mais empregos e baratear custos de viagens dentro do Brasil. A medida se soma à recente liberação de visto para americanos, canadenses e japoneses, entre outras nacionalidades, no país.

“Essa antiga reivindicação da hotelaria sempre foi uma das metas principais de nossa gestão”, diz Linhares. “A cobrança não fazia sentido pois esses locais são considerados residências temporárias. Já nos ambientes coletivos, como áreas de lazer, hall de entrada e restaurante, ela permanece.”

Já a Fremúsica, a Frente Parlamentar Suprapartidária em Defesa da Indústria da Música, da qual o Ecad faz parte, se diz pega de surpresa pela assinatura da medida provisória.

“Em relação ao turismo no Brasil, tirando o turismo comercial, vendemos a brasilidade pela música, pela cultura”, afirma Daniel Neves, presidente do conselho da entidade. “Como você pode desestimular justamente os compositores que vendem o espírito e a imagem do Brasil?”

Com 226 deputados de 26 partidos, a Fremúsica é uma iniciativa recente, de abril, que mostra uma nova mobilização em torno da música. A organização aborda a indústria não só como ativo cultural, mas como negócio lucrativo.

Nele está abarcada a produção de aparelhos de som —o Brasil é o quinto maior fabricante de alto-falantes do mundo—, a indústria fonográfica (que movimenta R$ 1,2 bilhão anuais no país) e os mercados de shows (R$ 861 milhões) e de instrumentos musicais (R$ 2,1 bilhões).

“Estamos falando em rendimento conexo”, afirma Neves. “O impacto da música no turismo, em restaurantes, na produção de alto-falantes, enfim, mexe com toda uma estrutura da qual o governo e as pessoas não se dão conta.”

Em média, diz o Ecad, 60 centavos de cada diária em hotéis ou resorts no Brasil são destinados ao pagamento de direitos autorais. Mas Linhares questiona o repasse, afirmando que se trata de uma cobrança dupla, considerando que TVs e rádios já pagam royalties ao Ecad independentemente da reprodução nos hotéis.

De acordo com dados do governo, a previsão é de que 12 milhões de estrangeiros venham ao Brasil em 2022. “Quase dobra os números de 2018, quando o país recebeu 6,5 milhões de turistas de fora”, 
diz Linhares. “A receita por eles gerada deverá passar de R$ 27 bilhões para R$ 80 bilhões no mesmo período.”

Mais do que os centavos que Lionel Richie vai deixar de ganhar da próxima vez que uma música sua tocar em uma rádio de hotel, a briga é sobre quem vai ficar com a centena de milhões de reais em jogo —a classe artística ou a hoteleira.

“Exportamos soja, carne, diversas commodities, mas um dos valores do Brasil no exterior é sua música”, diz Neves. “Tom Jobim, internacionalmente, é um dos maiores recolhedores de direitos autorais. Temos que fomentar a indústria da composição. Como você vai desestimular justamente quem vende o espírito e a imagem do Brasil?”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.