Só 8% de quem ganha dinheiro do Ecad são músicos consagrados, diz nova CEO

Em disputa com hoteleiros, Isabel Amorim assume empresa que cobra e repassa os direitos autorais

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São Paulo

Isabel Amorim ainda está se familiarizando com o novo emprego. “É um negócio de louco. Não imaginava a complexidade desse trabalho”, diz a nova superintendente executiva do Ecad, responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas no Brasil.

A administradora de empresas tem experiência com economia da cultura e direitos autorais. Passou por New York Times, El País e editora Abril. Chegou ao Ecad em novembro, no meio de um turbilhão.

O presidente Bolsonaro assinou uma medida provisória, a Hora do Turismo, que isenta hotéis do pagamento dos direitos de músicas tocadas nos quartos. A norma ainda vai ao Congresso, mas pode representar perda de R$ 110 milhões para autores e música.

 
 A superintendente do Ecad, Isabel Amorim
A superintendente do Ecad, Isabel Amorim - Dasha Horita/Divulgação

O que levou a sra. ao Ecad? 
Trabalhei muitos anos na mídia. Metade da minha carreira foi no New York Times, [lidando] com direitos autorais. Não é um mundo completamente desconhecido. E o trabalho no Ecad tem uma coisa de missão —trabalhar pela música—, que é bonito, algo além do lucro. Tem o negócio, mas tem a missão. Se não fizer um bom trabalho, afeta a vida de milhares de artistas.

O que notou no primeiro mês no Ecad?
É uma empresa muito mais bacana do que eu imaginava. Tem tecnologia de ponta, o fluxo de trabalho entre arrecadar, ver o que arrecadou e distribuir é complexo. Uma música pode ter mais de 50 fonogramas. Vai muita tecnologia para entender o que você recebeu —quem é o compositor, o conexo, o artista. 

Os profissionais são capacitados e acho que nos falta contar para a sociedade o que fazemos. Só 8% dos que recebem são artistas consagrados. Os outros 92% precisam desse dinheiro. Cada R$ 100 conta. Só lembram dos grandes, mas falta entender que você não está ajudando o Ecad, uma empresa sem fins lucrativos. O custo operacional é da tecnologia complexa. Fazer escuta, ler cada trilha. Sem isso, a roda não gira.

Quanto o Ecad movimenta? 
Distribuímos mais de R$ 986 milhões neste ano, R$ 15 milhões a mais que em 2018. Se você dividir isso para os mais de 382 mil artistas e demais titulares, acho que dá pouco mais de R$ 2.000. Se 8% são artistas consagrados, faz a conta do resto. O Ecad não trabalha para cem artistas.

O Ecad já foi acusado de oligopólio e falta de transparência. Foi até condenado por prática de cartel em 2012. Considera isso um problema?
O que aconteceu em 2012 não foi provado. Os artistas são muito presentes nas associações e dizem o que querem. 

O Ecad não cria preço do nada. Tem regras, exemplos internacionais, leis do mundo inteiro. Não posso falar do passado, mas entendo que o Ecad hoje está aberto a escutar, rever tabela. Agora, é do interesse de quem? Tem empresário que não queria pagar nada. Como rever tabela com quem não quer pagar? Os músicos, se eles quiserem 50%, por exemplo, vamos dizer que não dá. Tudo é negociado.

Que mudanças a sra. quer implantar?
O mais importante é mostrar mais o Ecad. Na hora que se mostra o dinheiro e o caminho dele, já se consegue aproximar as pessoas, tirar essa falsa ideia de que tem caixa preta. Temos resposta para tudo. E a tecnologia traz clareza e transparência.

Esse dinheiro vai para mais de 300 mil pessoas e, se você quiser o nome de todas, a gente tem o CPF. É absolutamente claro, não tem como se perder no meio do caminho. Também quero fazer um trabalho maior na inadimplência, porque não acho justo, por exemplo, uma academia pagar e a outra não.

Como vê a medida Hora do Turismo?
Nosso foco agora é mostrar que isso traz uma perda de receita muito grande para um grupo importante. De um lado você tem empresas e do outro você tem pessoas. 

É essencial pôr música e cultura como fator importantíssimo do turismo. A música ajuda o turismo, isso é o Brasil. As pessoas vêm pelo carnaval, festivais, festa junina. Se começa a tirar o dinheiro da criação, você está cometendo um erro. 

Acreditamos que não vai virar lei. Os hotéis no mundo inteiro pagam por direito autoral, não foi o Brasil que inventou isso. Tem nos Estados Unidos, França, Inglaterra...

Como vai dialogar com o governo? 
O maior desafio, que não é só da música, mas de toda a classe artística, é mostrar para o governo sua importância para a economia. 

Música não tem partido. Mais de 50% da distribuição deste ano foi para o sertanejo, 8% foi para o gospel. Não tem esquerda contra direita, não é esse o ponto. Estamos falando de uma parte importante da economia, de fazer essa roda girar. 

O sujeito que faz show pequeno, por R$ 1.000, não pode deixar de receber —ou vai deixar de ser artista. A classe não é contra ou a favor de ninguém, queremos que se perceba que música é importante.

E as mudanças geradas pelo streaming?
​Isso é o mais complexo, ainda não consegui me debruçar sobre isso. E não quero falar sem ter certeza. O streaming traz mudanças grandes e está sendo discutido. Passa por Ecad, gravadoras, editoras —toda a cadeia. Prefiro não responder ainda.

Erramos: o texto foi alterado

Só 8% de quem ganha dinheiro com o Ecad são músicos consagrados, e não 8% do dinheiro do Ecad vai para músicos consagrados. O título foi corrigido.

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