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Livro faz novas leituras sobre a Bahia, mas não escapa de romantização

Citações a Caetano Veloso, que é homenageado no título, quebram ritmo fluido da portuguesa Alexandra Lucas Coelho

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Itamar Vieira Junior

Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso

  • Preço R$ 62 (232 págs.)
  • Autor Alexandra Lucas Coelho
  • Editora Ed. Bazar do Tempo

“Falta Bahia no seu livro.” Essa foi a frase dita por Caetano Veloso à escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho, ao terminar a leitura do romance “Deus-dará”. Isso se tornou epígrafe do livro “Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso”, lançado simultaneamente no Brasil e em Portugal. Com a coletânea de crônicas “Vai, Brasil”, de 2013, e o romance “Deus-dará”, de 2016, o volume forma sua trilogia luso-brasileira.

O livro é um híbrido de diário pessoal e relato de viagem, campo de domínio da autora, que foi correspondente em Jerusalém e no Brasil.

A partir de sua experiência jornalística, Coelho escreveu obras como “Viva México”, “Oriente Próximo” e “Caderno Afegão”, sempre baseada no seu contato com a cultura local, resultando num texto fluido e sem floreios.

Mulher de vestido preto e óculos sentada seguro livro semi-aberto
Alexandra Lucas Coelho na mesa 'Turistas Aprendizes', com mediação de Paula Scarpin e participação de Beatriz Sarlo no quarto dia da Flip, Festa Literária de Paraty - Zanone Fraissat - 03.jul.2015/Folhapress

Há características dos livros anteriores que despontam aqui novamente. Coelho se assume sem reservas como uma outsider, ao mesmo tempo em que centra a narrativa em si e no seu entorno.

É sobre esse eixo que se estrutura o livro, com “voltas” que formam capítulos que correspondem às viagens à Bahia em diferentes momentos, entre os anos de 1997 e 2019. A quinta e última “volta” é uma espécie de viagem interior, quando ela, imersa em suas recordações, projeta um retorno que talvez seja a razão de existir do próprio livro.

Já a homenagem a Caetano Veloso se deve à afirmação que abre este texto, dita antes e repetida na turnê “Ofertório”, que passou por Portugal, e sobretudo pela admiração de Coelho pelo artista.

Foi por meio de suas composições que a autora teve um contato permanente com a Bahia que habita não apenas as canções de Caetano como também o imaginário estrangeiro. Por isso, além de ser um relato de viagem, o livro pode ser lido como uma espécie de biografia afetiva do compositor. Mas, seja como relato ou biografia, a promessa se cumpre parcialmente.

Há passagens de grande interesse, como o primeiro contato como correspondente para cobrir os 500 anos do descobrimento do Brasil —o que a portuguesa Coelho faz com muita propriedade, a partir da sua visão crítica sobre a colonização.

Há também a visita à sala de ex-votos da igreja do Bonfim, em Salvador, onde os membros de cera, parte do acervo, fizeram-na lembrar das vítimas da guerra do Afeganistão. Ou então a fúria das incorporações imobiliárias, quando ela atualiza o debate sobre a colonização.

Vista do interior da Igreja Nosso Senhor do Bonfim, na Sagrada Colina, na península de Itapagipe, em Salvador (BA) - Renato Luiz Ferreira - 25.abr.2014/Folhapress

Ou mesmo quando lembra a altiva ialorixá Stella de Oxóssi, guardiã da cultura da diáspora africana, que se opôs à necessidade de se manter o sincretismo e a associação das religiões de matrizes africanas ao catolicismo, mas, ao assumir cadeira na Academia de Letras da Bahia, exalta-se como uma mestiça que tinha também origem portuguesa.

Coelho traz essas histórias a público de forma espontânea e exitosa, formando um compêndio contraditório e complexo do que pode ser a Bahia.

Por outro lado, há algo artificioso na forma como Caetano Veloso adentra o livro. A necessidade permanente de associar cada encontro e descoberta ocorridos na Bahia às composições do artista quebra o ritmo fluido, de “conversa puxa conversa”, com que Coelho se propõe a narrar.

A admiração sem reservas, afirmada e reafirmada em diversos trechos, desequilibra Caetano como personagem, sacralizando-o de tal forma que nos afasta das nuances humanas e contraditórias que o próprio artista cultiva. Sem contar a sua percepção sobre a Bahia, quase mítica, apresentada da mesma forma por tantos que já se tornou clichê.

Uma Bahia que se resume à cidade de Salvador e seu entorno, com exceção da “volta” de Coelho pelo litoral sul. A capital se apequena como circuito turístico, o que inclui o exotismo conferido por seu olhar estrangeiro sobre o candomblé.

Apesar da visão romantizada que emerge das páginas, a jornada nos apresenta novas leituras sobre um lugar que não se esgota. Mesmo assim, é possível que Caetano Veloso afirme de novo: “Falta Bahia no seu livro”.

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