“Meio Irmão” é um corpo estranho entre os novos filmes brasileiros. E isso é um elogio. São raros os cineastas, como Eliane Coster, com coragem para abordar comportamentos e territórios ainda mal explorados pelo cinema produzido no país.
Sem juízos negativos pré-concebidos (cada vez mais comuns no maniqueísmo que se alastra pelas redes sociais) e tampouco disposta a edulcorar uma realidade dura, a diretora faz um retrato de dois jovens de um bairro de classe média baixa da zona leste de São Paulo.
Somos inicialmente apresentados a Sandra (Natália Molina), de 16 anos. Sua mãe desapareceu, algo aparentemente corriqueiro da vida da família. Num primeiro momento, a garota mostra que sabe se virar sozinha, mas, passados alguns dias, a água e a comida acabam.
Em seu primeiro filme, a atriz constrói muito bem essa curva dramática, que vai de gestos impetuosos de quem parece saber o que quer, uma rebeldia quase selvagem, a uma solidão de vulnerabilidade patente.
Quando o desamparo toma conta da situação, Sandra vai ao encontro do seu meio irmão, Jorge (Diego Avelino), que mora com o pai. Embora tenham a mesma mãe, eles convivem pouco.
Além do sumiço da mãe, Jorge começa a receber ameaças depois de filmar amigos no momento em que são vítimas de um ataque homofóbico. Não bastasse tudo isso, ele não lida bem com o fato de ser gay.
Jorge é negro, Sandra, branca, uma diferença que não influencia a relação entre eles, mas causa surpresa, talvez repulsa, entre aqueles que os observam.
Os limites impostos pela questão racial e, principalmente, o processo de reaproximação dos dois personagens recebem uma abordagem sensível, mas fica evidente que essas frentes avançam aquém do que poderiam devido a um descompasso do elenco.
A jovem Natalia Molina sabe conduzir sua personagem por diferentes gradações emocionais, uma capacidade que pouco se vê nos demais atores com papéis centrais.
Como explica a diretora Eliane Coster, o elenco é formado por “atores em início de carreira ou jovens que participavam de oficinas e cursos livres de interpretação em centros culturais e espaços das periferia de São Paulo, como o Pombas Urbanas, na Cidade Tiradentes e a Casa do Zezinho, em Capão Redondo”.
Tantas caras novas certamente oferecem frescor a “Meio Irmão”, mas falta sintonia, ou seja, uma homogeneidade mínima na qualidade das interpretações.
Essa deficiência acaba compensada, entretanto, pela delicadeza com que expõe a descoberta dos afetos e da sexualidade e pelo olhar amoroso para a zona leste da cidade.
As imperfeições do filme são, portanto, bem visíveis. Sua dignidade e sua ousadia também.
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