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Uma biografia nem sempre revela mais sobre o autor do que uma ficção, diz escritor

'Apátridas', romance de estreia do crítico literário Alejandro Chacoff, desfila cadeia de figuras paternais ausentes

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Rio de Janeiro

Enquanto bebe o leite quente empelotado que a avó lhe serviu e o compara ao leite gelado de galão que tomava até pouco tempo atrás nos Estados Unidos, o narrador de “Apátridas”, romance de Alejandro Chacoff, pensa sobre o modo de vida de sua família do interior do Brasil. “Não sinto que esteja sendo justo ao descrever aqueles anos. Mas ninguém escreve para ser justo”, reflete.

O personagem nasceu no Centro-Oeste do país, filho de uma brasileira e de um chileno, mudou-se ainda criança para os Estados Unidos e, com a separação dos pais, voltou a Mato Grosso, isso não antes de terem passado um tempo em Santiago.

O escritor e crítico alejandro chacoff
O escritor e crítico Alejandro Chacoff - Divulgação

De volta ao Brasil, ele, sua mãe e sua irmã passam a viver com o avô materno, um rico dono de cartório em Cuiabá que atrai para sua órbita parentes e agregados.

A história do narrador é semelhante à de Chacoff, ensaísta e crítico literário da revista Piauí de 37 anos que tem neste o seu primeiro romance. “Não quero fugir do fato de que me vali muito de material autobiográfico e não tenho problema nenhum em assumir os custos morais de ter escrito este livro”, diz. “Uma biografia não necessariamente é capaz de revelar mais sobre o autor do que uma ficção.”

Quanto a um possível objetivo que poderia ter, diz concordar com a frase do narrador. “Não é um acerto de contas”, diz. “Não encaro um livro como algo exaustivo, e não é um julgamento”, completa.

O título do romance aparece na história como uma ofensa usada pelo tio-avô do narrador e que assume diferentes sentidos. “A beleza da palavra apátrida está em ser múltipla. Ao mesmo tempo em que é profundamente e atualmente política, também é usada como xingamento de forma frívola”, diz Chacoff. “É uma palavra dura, excludente e autoritária, bastante negativa.”

Há ainda, no livro, o significado literal, que se refere aos deslocamentos frequentes do narrador com sua irmã e com sua mãe. “Mas mais ao fundo da palavra, ela alude a personagens masculinos que
têm a relação de pai e filho interrompida”, conta o autor.

O pai do narrador, um trambiqueiro intelectual orgulhoso e arrogante, é uma figura distante para os filhos e um tanto enigmática. Ele passa a vida a reclamar de golpes financeiros que teria sofrido e a pedir dinheiro ao sogro.

Mas, além da relação do narrador com o pai, há ainda a deste com seu próprio pai, interrompida pelo abandono, e a do avô paterno, patriarca e figura central do livro, com seu pai, morto prematuramente por uma pneumonia.

“Os pais do livro são figuras fantasmagóricas, eles quase se definem pela ausência, pelo ‘a’ de apátridas”, diz Chacoff.

Em torno do dinheiro do patriarca se amontoam os personagens, dos mais prosaicos aos mais relevantes —como o empregado faz-tudo do avô. Existe, segundo Chacoff, uma “condescendência afetuosa” de quem controla o dinheiro, esse avô que reúne em uma gaveta envelopes de notas que são distribuídos a quase todos que surgem na casa.

Ali, o dinheiro, como o autor afirma, é um personagem.

“Eu intuí que a questão do dinheiro era tão escondida e problemática que abrindo essa mata e insistindo de uma forma quase obsessiva sobre o tema talvez encontrasse alguma matéria para o livro”, diz Chacoff.

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