Livro vai ser objeto de museu, diz Paulo Coelho, que repensa fundação na Suíça

Escritor brasileiro mais famoso do mundo compra prédio para seu acervo, mas pensa mais no que vai pra nuvem

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São Paulo

Paulo Coelho está prestes a transferir sua fundação para um prédio de cinco andares –cada um com 280 metros quadrados– em Genebra. Pagou 15 milhões de francos suíços, ou R$ 82 milhões, pelo imóvel. "E pode botar aí mais 3 milhões pela reforma e os custos enlouquecedores de cartório", diz. Mas ele está mais preocupado com o que vai ficar guardado de graça na nuvem.

A perspectiva que mais empolga o escritor brasileiro mais vendido no mundo é disponibilizar digitalmente para qualquer lugar do mundo todo o acervo de sua fundação —dezenas de milhares de documentos com informações, fotografias, edições traduzidas, manuscritos, contratos e artigos jornalísticos que registram sua vida e obra.

O prédio recém-comprado, que abrigava em outros tempos um banco suíço, amplia o espaço de uma instituição que já existe hoje em uma sala de meros 200 metros quadrados no térreo de um prédio residencial da mesma cidade, onde ele mora com sua mulher, a artista plástica Christina Oiticica.

O lugar não deu conta de abarcar todo o acervo físico que Coelho queria reunir. "Foi a primeira vez que vi todas as minhas traduções juntas, e os livros ocupavam muito mais espaço do que eu imaginava", conta ele.

O espaço a ser inaugurado servirá para "preservar o que é importante" para o escritor, já que um dia "o livro vai entrar na área de objeto de museu, está caminhando rapidamente para isso". No começo de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, ressalta Coelho, ele já citava uma frase de são Paulo que atestava que a glória do mundo é transitória.

"O mercado dos livros tem estado numa queda tremenda, e as pessoas cada vez leem menos. Não é culpa do mercado, é da linguagem", diz. Ele lembra que os antigos filósofos gregos deixavam só fragmentos de obras, muitas compiladas só por seus pupilos. E no lugar entrou hoje uma "verborragia gigantesca, todo mundo querendo escrever 'Ulysses'".

A literatura, diz Paulo Coelho, "foi se sofisticando desnecessariamente", e as pessoas se afastaram dela. A solução estaria na volta à simplicidade, ao aforismo, à comunicação direta. "A literatura mudou radicalmente, e não foi por causa da pandemia de agora. Mas pelo próprio fato de que a essência é o mais importante. Seu renascimento está ligado ao renascimento do pensamento."

Acompanhar essas reflexões é importante para entender o projeto de Coelho para sua fundação. O livro enquanto suporte pode estar perdendo importância, mas o conteúdo segue impávido, tão relevante como sempre foi —da mesma maneira, Coelho parece dar pouca importância à edificação do museu e muita às mensagens que ele dissemina.

"Você não pode imaginar a quantidade de chaves que eu tenho", desabafa, sublinhando que a relevância de abrir esse prédio fica mais no terreno do simbólico. Ele se interrompe para lembrar de exortar as pessoas a visitar o espaço —isso quando ele for inaugurado, já que ele estava prestes a derrubar as fortificações do banco quando veio a pandemia. Os dois andares inferiores, aliás, vão abrigar exposições de sua mulher. Ele afirma a certa altura que acomodar as pinturas dela foi a principal razão da mudança.

Mas não deixa de falar com ternura de seus planos para uma outra sala bem apertada, a caixa-forte do ex-banco, onde cabem no máximo umas cinco pessoas. Por um motivo bem pessoal.

“Eu fui preso e torturado [na época da ditadura militar]. Ficava numa espécie de cofre, um lugar à prova de som. Lembro que quando estava sendo empurrado para a sala de tortura, tropecei numa soleira”, diz, em referência ao pequeno degrau que delimita o interior de salas assim. "Vou fazer uma exposição virtual de uma sala de tortura, a história dos anos de chumbo da ditadura. Vamos homenagear todos os que foram torturados, os desaparecidos no Brasil.”

Coelho tem revisitado essa parte dolorosa de sua história de forma mais pública recentemente. Ele escreveu no jornal americano The Washington Post, no aniversário de 55 anos do golpe militar, um longo depoimento sobre as sessões de tortura pelas quais passou.

Também se confrontou com o passado quando “Não Diga que a Canção Está Perdida”, biografia de Raul Seixas que saiu há alguns meses pela Todavia, trouxe indícios de que o cantor teria tido algum papel em sua entrega aos militares.

Ele assente quando o repórter pergunta se o governo Bolsonaro tem feito com que ele pense mais nesse período de sua vida. "Mas falar é uma coisa, mostrar é outra", diz, em referência a seus planos.

Agora Coelho quer que seu acervo, com tudo o que vem junto de memória, esteja aberto para o mundo acessar a qualquer momento. As visitas ao prédio suíço da fundação, gratuitas, ganhariam assim um quê de peregrinação.

Para ilustrar o que quer dizer, o escritor recorda um aprendizado que teve no Japão, quando foi convidado para visitar o jardim que um poderoso empresário mantinha em casa. Ele relutou em aceitar, mas foi convencido ao saber que eram permitidas ali só quatro pessoas por dia.

“A minha ideia é essa coisa das quatro pessoas”, completa Coelho. Os andares de cima da fundação, suspira, serão para essas quatro pessoas.

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