Santa que deteve epidemia na Itália está de quarentena no Metropolitan, em NY

'Santa Rosália Intercedendo pelas Vítimas da Praga de Palermo' foi uma das primeiras aquisições da instituição

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Jason Farago
The New York Times

Ele se veste bem, e sorri com a confiança da juventude; seu temperamento não é o de alguém que buscaria abrigo. A data é a primavera de 1624, e Anthony van Dyck, 25, navega rumo ao sul, para a Sicília, em resposta a um convite para pintar o retrato do vice-rei espanhol.

Ele está se estabelecendo como retratista internacional dos ricos e famosos. Agora em Palermo, sente estar à beira de um grande avanço.

O retrato é pintado durante a primavera, mas chega o desastre. Em 7 de maio de 1624, Palermo reporta os primeiros casos de uma praga que mataria cerca de 10% da população da cidade. De quarentena, o jovem pintor flamengo observa o fechamento do porto, a superlotação do hospital e os gemidos dos doentes na rua.

O quadro ‘Santa Rosália Intercedendo pelas Vítimas da Praga de Palermo’, de Anthony van Dyck, hoje no acervo do Met, em Nova York
O quadro ‘Santa Rosália Intercedendo pelas Vítimas da Praga de Palermo’, de Anthony van Dyck, hoje no acervo do Met, em Nova York - Reprodução

Enquanto a emergência prossegue, um grupo de franciscanos encontra numa caverna uma pilha de ossos que podem ter pertencido a santa Rosália, aristocrata de séculos passados. As relíquias são carregadas pelas ruas e a epidemia se abate; os cidadãos passam a cultuá-la como a salvadora da cidade.

Van Dyck apanha um autorretrato meio concluído e o altera para retratar a protetora, flutuando sobre a cidade.

“Santa Rosália Intercedendo pelas Vítimas da Praga de Palermo”, hoje parte do acervo do museu Metropolitan, de Nova York, foi uma das primeiras aquisições da instituição, comprado em 1870.

Agora, é claro, Rosália está ela mesma de quarentena, com a intensificação da epidemia do coronavírus. O Met não antecipa reabrir suas portas antes de julho.

Tive a oportunidade de visitar o museu na semana passada, entrando pela porta de serviço, para uma conversa com Max Hollein, o diretor do Met, e Quincy Houghton, diretor assistente para exposições. Rosália continua no lugar escolhido para ela na mostra “Making the Met”, cuja montagem estava praticamente concluída.

Rosália parece estar ascendendo com a ajuda de quase uma dúzia de querubins, e feixes de luz atravessam as nuvens escuras que existem no topo do quadro e iluminam seu rosto.

Van Dyck decidiu retratá-la como uma jovem de cabelos longos, loiros e cacheados, com bochechas coradas, e olhos arregalados de êxtase. Sob ela, fica o porto de Palermo, e como pano de fundo o monte Pellegrino, onde as relíquias foram encontradas.

Parece certo que Van Dyck viu a primeira dessas procissões, e elas continuam acontecer a cada mês de julho.

O curador Xavier Salomon, que em 2012 organizou uma mostra sobre a estada siciliana de Van Dyck (e hoje é o curador chefe da Coleção Frick), diz que os governantes da Palermo atingida pela praga confiaram tanto em intervenções médicas quanto em intervenções religiosas, para conter o contágio.

Os moradores oravam aos restos de Rosália na catedral da cidade, sim, mas observavam o distanciamento social. As pessoas só podiam visitar a igreja um dia por semana, em uma escala determinada por seus endereços.

O jovem Van Dyck, que poderia ter usado suas conexões com a realeza para escapar, ficou na cidade até o fim do surto. Encontrou, em meio à pestilência, um tema mais urgente do que os retratos da realeza que lhe valeriam fama.

Tendo suportado uma quarentena, criou uma encarnação da beneficência em meio ao caos. Pragas são aleatórias e implacáveis. São, como estou descobrindo, especialmente aterrorizantes por não sabermos quanto tempo durarão.

Mas Rosália, flutuando por sobre a Sicília como um balão, promete que o horror da epidemia terminará, um dia. Em momentos sombrios, é preciso acreditar —se não em santos, ao menos na arte.

Ela tem o poder de afirmar a capacidade humana de invenção mesmo que a morte esteja rondando.

Rosália estará lá nos esperando quando “Making the Met” puder começar, e em julho, assim devemos esperar, nos fará recordar uma Palermo na qual a quarentena acabou.

Por enquanto, o site do Metropolitan pode ajudar. Na Sicília, os fiéis podem orar a Santa Rosália pelo WhatsApp.

Tradução de Paulo Migliacci

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