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Companhia de Trisha Brown cria versão de dança para o confinamento

Com isolamento, bailarinos trocam telhados do Soho por apartamentos

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The New York Times

O ano deveria ser excelente para a Trisha Brown Dance Company, fundada 50 anos atrás. No começo de março, a trupe voou à França para iniciar uma turnê de aniversário pelo país, para a qual os ingressos estavam esgotados. As primeiras apresentações foram muito bem. Mas aí surgiu a onda de cancelamentos causados pelo coronavírus, e os integrantes da companhia de dança se viram como passageiros do último voo da United Airlines de Paris a Nova York.

Espalhados pelos Estados Unidos —e, no caso de um deles, de volta ao lar, na Austrália— os bailarinos fizeram o que os grupos forçados a se separar, em todos os ramos de atividade, estão fazendo: passaram a se reunir virtualmente. Mantinham contato uns com os outros, lamentavam os espetáculos cancelados e começaram a discutir ideias sobre como poderiam continuar a trabalhar remotamente. Uma opção rapidamente passou a ser encarada como a mais promissora: “Roof Piece”.

O espetáculo foi criado por Brown, que morreu em 2017, no ano de 1971, quando ela e seus colegas de elenco se espalharam pelos telhados do Soho, entre as caixas de água de Nova York, para executar uma versão do jogo “telefone sem fio” em forma da dança. Um dançarino executava uma série de movimentos semafóricos, como se estivesse sinalizando, e o dançarino no telhado vizinho tentava reproduzi-los exatamente. E assim por diante, de telhado em telhado.

Performance de "Roof Piece" nos anos 1970, realizada nos telhados do SoHo
Performance de "Roof Piece" nos anos 1970, realizada nos telhados do SoHo - Paula Cooper Gallery/New York Times

Os espectadores, posicionados no topo de edifícios, podiam acompanhar a transmissão dos movimentos e os erros de repetição, a perda inevitável de clareza de sinal que Brown pretendia expor por meio do exercício. Pessoas que não estavam informadas sobre o que estava acontecendo talvez começassem a prestar atenção, e isso também era parte do plano. Por isso, todos os bailarinos usavam trajes vermelhos.

Como muitos dos primeiros trabalhos coreográficos de Brown —por exemplo “Man Walking Down the Side of a Building”—, “Roof Piece” é tão simples quanto radical. Discutindo ideias sobre como reproduzi-lo virtualmente, os bailarinos logo esbarraram em um obstáculo: nem todos eles tinham acesso a um telhado. Por isso, decidiram que o telhado não era essencial para a peça; o que importava era a ideia de comunicação a distância.

O “Roof Piece” original foi inspirado pelo princípio de imitar os movimentos do instrutor que domina as aulas e ensaios de dança, um modo de transmissão fundamental para a forma de aprendizado dos bailarinos. Com todas as formas de instrução de dança e ioga que proliferam na internet hoje em dia, uma produção virtual de “Roof Piece” parecia perfeita para o momento.

E mais, como disse a bailarina Jamie Scott, uma das integrantes da companhia: encenar “Roof Piece” em um ambiente fechado parecia “um aceno de solidariedade às pessoas que também estão confinadas”. Portanto, foi isso que a trupe decidiu fazer, registrando o resultado, agora chamado “Room/Roof Piece”, e polindo-o por meio de edição de vídeo antes de postar o produto na mídia social.

Como um segundo aceno de solidariedade, a companha está encorajando as pessoas a criarem em casa suas versões pessoais de “Room/Roof Piece”.

Primeiro, convide alguns amigos para conversar em uma plataforma de videoconferência (os bailarinos usaram o Zoom). Depois, defina a ordem de transmissão: quem será o líder, o número dois, o número três e assim por diante.

O líder começa com um cumprimento simples, um aceno com a mão. Os demais movimentos cabem aos participantes: eles é que terão de definir o significado de “movimentos semafóricos” (na produção original, Brown especificou dizendo que se tratava de “articulação de juntas e linhas paralelas e perpendiculares”). Quando um dançarino se agacha até o chão, isso é sinal para que a última pessoa da fila assuma a posição de líder, revertendo o fluxo. Quando o novo líder deseja encerrar a série, basta se agachar de novo.

Para descobrir como fazer isso tudo funcionar no Zoom, os dançarinos da companhia tiveram de passar por um processo de tentativa e erro. Na versão executada em telhados, todo mundo está voltado na mesma direção e copia o movimento da pessoa à frente, vista de costas. Na versão online, todo mundo precisa estar voltado para a tela. “Temos de fazer o oposto do que estamos vendo para a transmissão funcionar”, disse a bailarina Amanda Kmett’Pendry.

A versão online requereu algumas coreografias novas, por assim dizer. Para que a transmissão fluísse em sequência quando os espectadores acompanhassem os participantes no arranjo de telas em grade do Zoom, os dançarinos precisavam ativar suas câmeras na ordem correta. Para que o bailarino só veja a pessoa “à frente”, cada participante tem de apertar o botão na hora certa (no Zoom, isso envolve acionar a função “pin”).

Os bailarinos tentaram ao máximo manter a integridade do original: cada um se vestiu de vermelho o mais que podia, de acordo com o conteúdo de seu guarda-roupa, mas a versão online é inevitavelmente diferente, para os participantes e os espectadores.

Nos telhados, a distância entre os edifícios e obstruções como beirais bloqueavam a reprodução perfeita de movimentos. Online, o problema pode ser um sinal congelado por um instante, uma diferença nos ângulos de câmera ou talvez um gato travesso. Do lado de fora, o espectador só vê uma parte da linha, e tem de imaginar que o sinal começou em algum ponto desconhecido e continua para além do alcance de sua visão. Quem assiste online pode acompanhar toda a sequência, mais ou menos como um segurança que vigia prisioneiros isolados por meio de uma bancada de câmeras de vigilância.

Do lado de fora, “você vê a audiência real”, disse Carolyn Lucas, diretora artística associada da Trisha Brown Dance Company. “Elas estão bem perto e se conectam ao trabalho. Mas agora estamos nesse período em que, meu Deus, não existe proximidade. Mas temos a determinação de encontrar um veículo que permita compensar a distância.”

Como apontou Lucas, essa determinação é ainda mais forte entre os bailarinos. “Embora a tecnologia me assuste um pouco, temos toda uma equipe de bailarinos mais jovens que estão ávidos por descobrir como podemos nos adaptar”, ela disse. É uma situação que muitas companhias de dança têm em comum, no momento. Como protetora do legado de Brown, Lucas recebe positivamente a mudança de gerações. As versões online “não são a mesma coisa, mas isso não é problema”, ela disse. “O que é divertido no trabalho de Trisha é que há sempre alguma coisa a investigar e para compreender.”

As regras gerais de “Roof Piece” ainda se aplicam. “Continue a se mexer mesmo que você não tenha certeza do que está vendo”, aconselhou Kmett’Pendry. Receber e transmitir a mensagem simultaneamente é a ideia. “Não julgue o que você está vendo. Adivinhe o melhor que puder e passe o movimento para a frente.”

“Não é preciso fazer alguma coisa muito complicada”, disse Lucas. “Você só precisa se sentir muito confortável com o movimento que está surgindo de seu corpo.”

Os integrantes da companhia são especialistas, com muita prática em imitar movimentos, e compartilham de um estilo comum de movimento, ágil porém articulado. Mas mesmo entre eles, pode-se ver como o movimento muda ao ser transferido de mente a mente, de corpo a corpo.

“As preferências idiossincráticas de movimento de todo mundo serão expostas por esse exercício, e isso é algo que as pessoas podem celebrar”, disse Lucas. Em última análise, a versão online de “Roof Piece” é um exercício sobre como se comunicar com pessoas distantes.

Foi assim que Patrick McGrath, em Santa Monica, Califórnia, pôde enviar uma mensagem física, por meio de uma imagem digital, a oito bailarinos da companhia, entre os quais Stuart Shugg, na Austrália, e Jacob Storer, em Richland Center, no estado americano de Wisconsin. É assim que Cecily Campbell, em Santa Fe, no Novo México, consegue ver Storer e ouvir o canto dos pássaros perto dele e indicar que recebeu a mensagem enviada por McGrath lá de longe, imitando o movimento e acrescentando um sorriso de apreciação.

Tradução de Paulo Migliacci

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