Na primeira cena do primeiro episódio de "I Know This Much Is True", Thomas, um dos irmãos gêmeos interpretados por Mark Ruffalo, está em uma biblioteca falando alto e chamando a atenção dos outros frequentadores. Até que, para horror de todos, tira uma navalha e decepa sua mão direita. É assim, com passagens angustiantes, que a história dessa ótima série dramática é contada.
Talvez o momento não seja ideal para lançar um produto tão sinistro como esse, mas quem der uma chance ao primeiro episódio vai ficar interessado até o fim. O programa é muito bem produzido e mostra cuidado com o cenário, a música, a iluminação, todos sufocantes. De quebra, tem o melhor trabalho de Mark Ruffalo até agora, seja na TV, seja no cinema.
Tecnicamente apurada, "This Much..." conta uma história triste e profunda sobre a batalha de um par de gêmeos idênticos que nasceram em uma família cheia de segredos. No presente, que na série é o começo dos anos 1990, aos 40 e poucos anos, Thomas é esquizofrênico, enquanto Dominick é um homem angustiado que se sente em eterna dívida com o irmão.
A mãe dos dois (Melissa Leo, ótima) nunca revelou a identidade do pai. O padrasto controlador e abusivo pegava no pé de Thomas na infância, pois o considerava fraco. Décadas depois, quando a trama se passa, Dominick tem uma vida estável comparada com a de seu irmão, que vive em uma instituição para doentes mentais. Até que acontece o incidente de abertura da série.
Depois de passar por um hospital, Thomas é levado para um manicômio e tirar o irmão dali vira a obsessão de Dominick. A diferença entre Thomas e Dominick não está só no fato de o ator ter convencido os produtores da série a fazer um intervalo de sete semanas para poder engordar 13 quilos e voltar para interpretar o irmão esquizofrênico.
A atuação dele é tão primorosa que Thomas e Dominick têm vozes diferentes, expressões diversas, posturas próprias. Não há o menor risco de o espectador confundir um e outro, ou, mais grave ainda, perceber que os dois são interpretados pelo mesmo ator. Por mais que a minissérie seja sombria, testemunhar o enorme desafio encarado por Mark Ruffalo é um prazer.
Baseado no romance de 1998 da escritora americana Wally Lamb ("Eu Conheço a Verdade" e "Ela é Desfeita"), o enredo em seis capítulos de mais ou menos uma hora cada um, que a HBO vem botando no ar semanalmente, é narrado por Dominick, o protagonista, em sua saga para libertar o irmão da prisão. Dominick também tem um passado cheio de sofrimento e um casamento desfeito por causa de uma tragédia.
Atualmente, ele tenta explicar para a assistente social da prisão (Rosie O'Donnell, que está muito bem) porque Thomas não deve estar ali, e a partir dessa passagem o personagem principal guia o espectador por memórias do passado. A série viaja por flashbacks até a infância dos irmãos e o tempo em que passaram juntos na universidade, para dar elementos que explicam o que pode ter provocado a circunstância atual.
E o que levou Dominick a se tornar um homem raivoso, circunspecto, que não consegue conviver em paz com sua namorada atual, Joy, uma menina mais nova e animada, papel de Imogen Poots. Ele ainda alimenta a esperança de se reunir com sua ex-mulher, Dessa (Kathryn Hahn, de "Transparent").
A série foi toda escrita e dirigida por Derek Cianfrance ("O Lugar Onde Tudo Termina", "A Luz Entre os Oceanos", "Namorados para Sempre") e captada em filme mesmo, como se fazia antes das câmeras digitais tomarem conta da indústria. Ter só um roteirista e diretor garante consistência ao programa. É de verdade um produto autoral, que se baseia tanto nas ideias de Cianfrance quanto na atuação de Mark Ruffalo.
O resto do elenco também é forte, dá para perceber que tem direção de atores e um bom trabalho de casting por trás. Juliette Lewis faz uma participação interessante. "This Much..." não é exatamente uma série agradável de se ver. É muitas vezes incômoda, aflitiva, mas vale o desconforto. Mesmo nessa época em que talvez muita gente não esteja a fim de se envolver com tanta desgraceira. Esse é um programa raro.
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