Posts enganam ao associar Bolsonaro à aprovação de verba para filme sobre sua eleição

Ancine aprovou a captação de R$ 530 mil, mas não liberou recursos para a obra, como dão a entender as postagens

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São Paulo

Duas postagens sobre a liberação de verbas da Ancine para um documentário sobre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trazem informações falsas ou enganosas. Em uma delas, o perfil de Twitter @r_camilotti afirma que “Bolsonaro, via Ancine, libera 560 milhões para um filme sobre ele”. Essa informação é falsa. Na outra, no Facebook, o deputado José Guimarães (PT-CE) publicou uma imagem com o texto “Ancine libera 530 mil para documentário sobre Bolsonaro”. Essa informação é enganosa. O que a Ancine (Agência Nacional do Cinema) liberou, conforme o Comprova verificou, foi a captação de recursos, por meio da Lei do Audiovisual, para uma produção que pretende retratar os movimentos políticos do país desde 2013 até a eleição de Bolsonaro.

A aprovação para a captação ocorreu em julho de 2019 e não direciona verbas diretamente para o filme: o investimento é indireto, oferecendo aos interessados em contribuir com o filme a possibilidade de deduzir o valor das doações no Imposto de Renda. Além disso, a aprovação ou não de verbas pela Lei do Audiovisual é feita por uma equipe técnica –e não passa pelo crivo direto de Bolsonaro. O presidente, inclusive, se posicionou contra a utilização da verba para a produção do filme.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de máscara, participa de evento em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, em evento em Brasília - Lucio Tavora/Xinhua

A primeira postagem foi compartilhada em 23 de julho pela página Ciro da Massa no Facebook. A descrição a identifica como “página voluntária em apoio ao Projeto Nacional de Desenvolvimento do PDT, liderado por Ciro Gomes”, e o perfil apresenta mensagens de apoio ao pedetista. O Comprova enviou uma mensagem para a página para saber de onde surgiu a informação, mas não obteve retorno até a publicação desta investigação.

Em 26 de julho, publicação similar foi compartilhada pelo deputado federal Guimarães. Na descrição, o parlamentar afirma que o governo pretendia usar “dinheiro público da cultura para promover Bolsonaro”. Ele citou como fonte uma notícia do UOL, dizendo que o filme sobre a eleição de Bolsonaro recebeu aprovação da Ancine para captar R$ 530 mil para sua produção.

O Comprova questionou o deputado, por mensagem no WhatsApp, se o caso teve novas atualizações ou se ele estava apenas republicando uma informação antiga. Ele não retornou até a publicação deste texto.

O que foi omitido pela postagem é que a matéria do UOL cita aprovação para captar recursos, e não para financiar, diretamente, a produção do filme. O texto credita o projeto ao cineasta Josias Teófilo, que chegou a anunciar a aprovação da Ancine em redes sociais. Em uma página criada para o projeto no Twitter, ele é identificado como “documentário ensaístico sobre os desdobramentos políticos das Jornadas de Junho de 2013 que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro”.

Já o perfil que fez a postagem do Twitter afirmando que Bolsonaro liberou R$ 560 milhões para a produção, pouco depois, publicou outro post corrigindo as cifras e afirmando se tratar de R$ 560 mil, valor ainda errado, mas mais próximo do autorizado para captação.

Segundo a matéria do UOL, a aprovação para captação de recursos foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 31 de maio de 2019. O Comprova confirmou, na edição do dia, a autorização obtida pelo projeto de Teófilo para captar R$ 530.100 por meio da Lei do Audiovisual.

Procurada por e-mail, a Ancine enviou o link de uma página do site da instituição com as informações sobre a produção de Teófilo. Entre maio e dezembro de 2019, período aprovado para captação, o projeto conseguiu captar R$ 78 mil pela Lei do Audiovisual. Em entrevista ao Comprova, Teófilo confirmou os valores, mas disse que o órgão ainda não liberou o dinheiro. “O filme está sendo montado. Captou R$ 78 mil mas não conseguimos liberar ainda o dinheiro”, disse.

Teófilo alega que o filme não será produzido apenas com os recursos da lei, mas também por financiamento coletivo, disponível no site oficial da produção.

“O filme trata das manifestações de junho de 2013, do impeachment de Dilma, da ascensão da nova direita e da eleição de Bolsonaro. É dividido em cinco partes, a quinta parte trata da eleição de Bolsonaro. Ainda não temos sinopse”, contou.

Em entrevista ao Canal Contracapa, concedida em 27 de julho deste ano, Teófilo declarou que optou por utilizar a lei do incentivo para que as pessoas da direita entendam “que não existe cinema sem lei de incentivo”. O cineasta disse que previa a polêmica em torno do financiamento e ressaltou que isso é ótimo para o projeto. “Quando as pessoas estão debatendo o filme, é sinal que você ganhou”, declarou.

Contrário

Em live nas redes sociais, Bolsonaro declarou ter sugerido à Ancine que recuasse na decisão de autorizar a captação de recursos para o filme. “Não queremos filmes de políticos com dinheiro público. O poder público não deve se meter a fazer filme. O estado vai deixar de patrocinar”, disse o presidente em julho de 2019.

Naquela mesma época, Bolsonaro disse que pretendia impor um filtro à Ancine, acabar com a agência ou privatizá-la. Ele reclamou do financiamento de diversos filmes nacionais, incluindo o longa “Bruna Surfistinha”, de 2011, que alegou ter “fins pornográficos”. Pouco depois, anunciou um corte de quase 43% no orçamento destinado ao Fundo Setorial do Audiovisual, tentou transferir a sede da Ancine para Brasília e indicou um pastor e uma produtora ligada a filmes cristãos para a diretoria do órgão.

Verificação

O Comprova verifica conteúdos de ampla repercussão em redes sociais que apresentem informações erradas ou mesmo fora de contexto sobre determinados assuntos. Em um contexto de polarização política, inflamado pela proximidade com as eleições municipais de 2020, o projeto vê a necessidade de esclarecer se postagens que viralizaram na internet envolvendo agentes públicos são verdadeiras.

No caso da aprovação de captação de recursos para um documentário que trata da eleição de Bolsonaro, não se trata de uma informação nova. A publicação também omite como é feita a captação via Lei do Audiovisual e induz o leitor a uma interpretação equivocada de que o chefe do Executivo teria interferido diretamente na liberação e que os valores seriam enviados de forma direta à produção.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado e que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor.

A investigação desse conteúdo foi feita por UOL e Piauí e publicada na sexta-feira (31) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, A Gazeta e Jornal do Commercio.

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