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'A História do Palavrão' é diversão certa para quem gosta de humor obsceno

Série da Netflix apresentada por um Nicolas Cage canastrão mostra como palavras comuns se tornaram escatológicas

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Flávia Boggio

A História do Palavrão

  • Onde Disponível na Netflix
  • Classificação 17 anos
  • Autoria Bellamie Blackstone
  • Elenco Nicolas Cage, Nikki Glaser, London Hughes e outros
  • Produção EUA, 2021
  • Direção Christopher D'Elia

Aviso –esta resenha de um documentário sobre o palavrão faz o uso indiscriminado de palavrões. Caso você seja sensível a termos como "foda", "caralho", "merda", "xoxota", "pau" e "puta", recomendamos que pule o texto.

Quando eu tinha uns 13 anos, fui recriminada pela minha mãe por dizer a palavra "merda" na mesa do almoço. Como acabava de entrar na fase infernal da puberdade, respondi atravessada. "Qual é o problema de falar merda? Todo mundo caga."

Embora tenha me levado a um castigo e fosse um tanto preguiçosa, a resposta daquela pré-adolescente não estava errada. Os palavrões, antes de serem palavrões, eram palavras comuns. Até que, por algum motivo, elas se tornaram obscenas. Como acontece essa transformação é o que conta a série documental "A História do Palavrão", na Netflix.

Em seis episódios apresentados por Nicolas Cage, a série mistura documentário e entretenimento para investigar a origem de alguns dos palavrões mais famosos na língua inglesa.

Se o uso descontrolado de palavrões já é uma ferramenta de comédia –Dercy Gonçalves que não nos deixa mentir–, o tom erudito para descrever termos chulos faz com que a série seja entretenimento garantido aos amantes do humor obsceno e escatológico.

Com depoimentos de linguistas, especialistas, atores e comediantes, cada episódio tem um palavrão como tema. Começa com o mais popular dos palavrões "fuck", ou foder, seguido de "shit", ou merda, "bitch", ou vadia, "dick", ou pau, "pussy", ou xoxota, e "damn", algo como maldição, que já foi mais ofensivo na língua inglesa.

Embora a maioria das xingamentos seja de conhecimento universal, alguns foram trocados por palavras com outros significados. O termo "fuck" virou "caralho", talvez por uma decisão editorial, por ser mais versátil do que "foder".

No episódio batizado "Shit", a repetição absurda da expressão é tesouro para qualquer apreciador do humor escatológico. O ator Isiah Whitlock Jr., eleito o dono da melhor pronúncia da palavra no cinema, faz uma performance de gargalhar.

É interessante como a série descreve o processo de ressignificação do palavrão. É o caso de "fuck" ou "shit", que, com a ajuda da cultura hip-hop, passaram a ser sinônimos de qualquer coisa. "Shit" virou até elogio, como conta a comediante Zainab Johnson. "Se alguém me disser 'você não é pouca merda', eu vou agradecer e dizer 'que bom que você reconheceu'."

Aqui no Brasil, a apropriação aconteceu com "foda" e "caralho", que viraram até interjeição. "Merda" ainda é uma expressão ruim, com exceção da turma do teatro.

Outro palavrão que foi reapropriada foi "bitch", ou vadia. Se antes o termo definia mulheres incontroláveis e estridentes, hoje é usado como ferramenta de empoderamento. Mas o termo ainda é proibido entre os homens, especialmente héteros. "Se um homem me chamar de 'vadia', eu queimo a casa dele", comenta Johnson, a humorista.

O episódio "Pussy", ou xoxota, um dos melhores da série, conta como o termo foi usado para diminuir homens, o que, claramente, era uma ofensa às mulheres. Até a década de 1990, quando rappers mulheres passaram a usar a palavra em suas letras como objeto de orgulho, poder e autonomia. A comediante Sarah Silverman dá uma ótima resposta. "Se quiséssemos ofender os homens, deveríamos os chamar de saco escrotal, que se encolhe a qualquer queda de temperatura."

A série também faz crítica social ao falar da censura do selo "Parental Advisory", uma espécie de controle de pais. O fato de o selo ter surgido quando o hip-hop, com suas letras cheias de xingamentos, saiu do underground, na década de 1980, não deixa dúvidas de que foi racismo.

Um pouco menos interessante é o episódio "Dick". Como o termo sempre foi objeto de orgulho e poder, não tem plot twist. É um momento morno da série. Assim como "Damn", a mais leve das ofensas, algo como "vai para o inferno", hoje só ofenderia Roberto Carlos e olhe lá.

Mesmo com todos os aspectos interessantes, "A História do Palavrão" não seria tão fascinante sem a presença de Nicolas Cage. Sua atuação canastrona deixa o texto ainda mais cínico, como quando pergunta, no último episódio se "existe alguma esperança nesse mundo vulgar e acelerado do caralho, merda?".

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