Descrição de chapéu Financial Times Moda

Legado de Melania Trump na moda é a notável incoerência de seu guarda-roupa

Em seus quatro anos como primeira-dama, as escolhas de estilo que ela fez deixam mais perguntas que respostas

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Harriet Agnew
Financial Times

O presidente Donald Trump deixará um legado duradouro em termos de estilo. Das gigantescas gravatas vermelhas aos volumosos ternos Brioni, passando pela cabeleira loira penteada de forma a ocultar a calvície e pelo boné vermelho com o slogan Make America Great Again, Trump sempre foi coerente —pelo menos em termos de estilo.

O mesmo não pode ser afirmado sobre sua mulher, Melania. A despeito de seus antecedentes como modelo de moda, nos seus quatro anos como primeira-dama dos Estados Unidos o guarda-roupa da terceira senhora Trump foi notável pela incoerência e se destaca tanto por aquilo que não declarou quanto pelo que parece ter declarado.

“Diferentemente de muitas das primeiras damas que a precederam, no caso de Melania não será possível determinar um estilo característico”, diz Lauren Rothman, uma estilista de Washington, mencionando o “vermelho Reagan” de Nancy Reagan, os chapéus de Jackie Kennedy e os cardigãs de Michelle Obama (que encobriam braços famosos pela definição muscular). A imagem de Melania Trump parece ser caracterizada pela boa postura, acrescenta Rothman. “As tempestades não parecem a abalar. Ela sempre parece impecável.”

Talvez mais do que qualquer primeira-dama precedente, estamos destinados a interpretar as escolhas enigmáticas de figurino de Melania Trump de acordo com nossas preferências políticas. Os partidários inabaláveis do presidente a veem como perfeito modelo de lealdade matrimonial, imaculada em seus tailleurs Dior, lustroso penteado cor de caramelo e sapatos Christian Louboutin.

“Os críticos do presidente a definirão como robô fêmea, como mulher-troféu”, diz Kate Bennet, repórter da CNN que cobre a Casa Branca e autora de “Free Melania: The Unauthorized Biography”. Há opositores de Trump que a retratam até como princesa cativa, cujas roupas demonstram apoio a causas democratas, demonstrando traços de rebeldia, de sua jaula dourada na Trump Tower, da única maneira que lhe é possível.

Historicamente, as primeiras-damas sempre adotaram uma atitude de preferir estilistas americanos, ao escolher seus guarda-roupas, e criaram elos estreitos com alguns deles –Jacqueline Kennedy com Oleg Cassini, Nancy Reagan com Adolfo e James Galanos; e todas as primeiras damas desde Jacqueline Kennedy usaram criações de Oscar de la Renta.

Michelle Obama, a predecessora imediata de Melania Trump, recebeu elogios ao combinar peças de estilistas de elite (Vera Wang) com modelos mais populares (J Crew e Target) e ao promover estilistas americanos menos conhecidos, como Jason Wu e Christian Siriano. Ela vinculava suas escolhas de figurino ao país, causa ou questão política em pauta e usava suas roupas como forma de ilustrar seus valores –diversidade, criatividade e empreendedorismo.

Num trabalho acadêmico de 2010, “O Efeito Michelle: Impacto da Primeira-Dama sobre as Ações de Companhias de Moda”, o autor, David Yermack, professor de finanças na Escola Stern de Administração de Empresas, na Universidade de Nova York, destaca o efeito da primeira-dama sobre o setor.

Ele calculou que as aparições públicas de Michelle Obama em 2009 resultaram em ganhos de mais de US$ 5 bilhões em valor para acionistas, no caso de diversas marcas, e traçou um padrão de movimento de preços de ações que se sincronizava de perto com a agenda de Michelle Obama.

Não surgiu um “efeito Melania”. A forma pela qual a primeira-dama se veste é “uma oportunidade perdida” de dar destaque a alguma coisa, seja uma grife, uma empresa ou uma causa, diz Yermack. “Ela tem um histórico no ramo da moda, mas jamais pareceu querer se posicionar como exemplo, da maneira que Michelle Obama fazia.”

Michelle Obama sabia que ela representava uma extensão da marca política de seu marido, e suas escolhas de moda refletiam o fato. Indicações iniciais apontam que podemos ver estratégia semelhante da parte de Jill Biden, a mulher do presidente eleito Joe Biden.

Nas semanas que antecederam a eleição presidencial de novembro, ela apareceu usando um par de botas Stuart Weitzman, de edição limitada, que traziam a palavra “vote” inscrita nas laterais.

Jill Biden, mulher do presidente eleito Joe Biden, usa botas com a inscrição 'vote' durante a campanha do marido - AFP

As mensagens políticas em torno de Melania Trump são mais complexas. No começo, suas opções de moda pareciam personificar a promessa de seu marido de recriar a grandeza dos Estados Unidos. Na cerimônia de posse dele, em janeiro de 2017, ela usou um vestido azul de cashmere do mais americano dos estilistas, Ralph Lauren.

O longo branco que ela usou na festa de posse foi uma colaboração entre ela e Hervé Pierre, nascido na França mas naturalizado americano, depois que a então assessora sênior da primeira-dama, Stephanie Winston Wolkoff, a dissuadiu de escolher um vestido de Karl Lagerfeld.

No livro “Melania and Me”, no qual retrata a ascensão e queda de sua amizade com a primeira-dama, Winston Wolkoff relembra sua opinião de que, ao escolher uma peça criada por um imigrante aos Estados Unidos como traje para a festa da posse, Melania Trump —“ela mesma uma das mais famosas imigrantes dos Estados Unidos”— poderia enviar “uma mensagem de unidade para contrabalançar a retórica hostil aos imigrantes de seu marido”.

Winston Wolkoff escreve que “Melania adorou a ideia de ser estilista por um dia, mas destacar para a imprensa que tanto ela quanto Hervé eram imigrantes estava fora de questão. A posição dela era permitir que a roupa falasse por si, sem se incomodar com detalhes sobre o retrospecto”, dela e do estilista.

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