Descrição de chapéu
Televisão Maratona

Fim de 'Dix pour Cent' frustra ao deixar heróis lambendo as suas feridas

Última temporada da série francesa na Netflix tem ascensão de uma vilã clássica em episódios conturbados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ainda não existe um acordo —entre os amigos com quem conversei— sobre a quarta temporada de “Dix pour Cent” que vale falar sobre ela, mas é certo que, para ser minimamente consequente a esse respeito, é preciso falar de seu final. Por isso, é melhor que quem ainda não chegou lá não prossiga nesta leitura.

A quarta temporada marca o fim da agência ASK, precedido por capítulos um tanto diferentes daqueles de anos anteriores. Com a saída de Mathias da agência, o centro da trama deixou de ser único. A sede da ASK foi, até então, o ponto de onde tudo mais se irradiava. Agora que Mathias se tornou produtor de cinema, seu escritório se torna um segundo lugar de irradiação da trama. Existe, por fim, a separação de Andrea e Colette, que torna a maternidade de Andrea uma questão chave da temporada.

Com tudo isso, temos episódios mais agitados, por assim dizer, pois até aqui tudo, ou quase, girava em torno das dificuldades dos agentes com seus contratados, enquanto corria, mais sutil, a trama de poder no interior da ASK, envolvendo sobretudo Andréa contra Mathias (desde o início), a quem virá se juntar mais tarde o rico investidor Hicham.

O surgimento desses novos polos desde o início da quarta temporada abala de certa forma a uniformidade que o conjunto mantinha até o terceiro ano, desenvolve um ritmo mais frenético e torna as situações mais superficiais —pelo menos, ao primeiro olhar.

Ao apagamento de Hicham (que salvou a agência ao investir nela) corresponde agora o surgimento e ascensão da inescrupulosa Élise, temível agente da StarMedia, a empresa rival. Ela que chantageia Mathias a tal ponto que o filme produzido por ele não sairá do papel caso não interfira no sentido de levar seus antigos clientes da ASK para a StarMedia. Em suma Élise não presta. Um segundo personagem, menos importante, embora decisivo, será o poderoso produtor Igor, com quem agora trabalha Mathias.

Temos com Élise o surgimento de uma vilã clássica, que não hesita em dar golpes baixíssimos (golpes baixos quase todos dão nesse ramo, sustenta a série) para chegar a seu objetivo final, a destruição da ASK. Para tanto, ela se aproveita da sobrecarga de trabalho de uma agora perturbada Andréa e se junta à ASK, embora trabalhe em sigilo para a empresa rival. Élise nem mesmo deixa de usar um clichê do tipo gravar conversas particulares em que Andréa critica seus contratados a fim de os jogar contra ela.

Mas é justamente através da vilã ignóbil que a série preserva a originalidade e mesmo aprofunda seu tema, ainda que frustrando boa parte dos fãs. Invertendo o que manda a convenção, as traições de Élise não serão punidas. Longe disso –ela se aproveita das distrações de Andréa (agora agente e mãe em tempo integral e, ainda mais, empenhada em retomar o casamento com Colette) para apunhalar a ASK, pelas costas, pela frente, por onde puder.

Assim, sob esse aspecto a trama desemboca num final melancólico (e decepcionante para o espectador que, afinal, nesses anos se tornou íntimo das personagens), o fechamento da agência, coroado pela morte de Jean Gabin, o cachorrinho de Arlette. Se a ASK era um lugar que lidava com ídolos, Jean Gabin, o cão, era a representação de todos eles, já que levava o nome do mais célebre de todos os atores franceses de cinema em todos os tempos.

Como modesto consolo, restou a ideia de Camille, a filha de Mathias, de montar uma agência para jovens talentos. Desalentador, convenhamos.

O principal, no entanto, é mesmo o fim da ASK, que não foi comprada, nem absorvida por sua rival maior (e aparentemente menos ética), mas simplesmente engolida por ela. Devorada. Acabou e pronto. A série, que durante as três primeiras temporadas trabalhou dentro dos princípios livre-concorrenciais do capitalismo clássico (luta por um lugar ao sol etc.), termina duramente, expondo o modo de ser do capitalismo monopolista contemporâneo, onde o mais forte leva tudo.

O mais fraco lambe as próprias feridas. Élise, a vilã, não será castigada. Ao contrário, deve receber um formidável bônus no fim de ano pelo trabalho feito. Pode chegar à presidência da empresa em pouco tempo.

A Andréa restarão como consolo o reatamento com Colette e a feliz ideia de escrever uma série sobre a dura batalha dos agentes de cinema para ganhar os 10% que recebem a cada contrato firmado pelos atores e diretores de cuja carreira se ocupam.

Dix pour cent

  • Quando Disponível
  • Onde Netflix
  • Elenco Camille Cottin,Thibault de Montalembert e Grégory Montel
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.