Brasil corre risco de seguir caminho do autoritarismo ao censurar projetos pelo bolso

Governos de Rússia e Turquia são alguns dos que legitimam controle sobre produção artística ao centralizar verbas públicas

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Washington

Em fevereiro, quando publicou seu relatório anual sobre a liberdade artística no mundo, a ONG Freemuse incluiu o Brasil entre os seus 15 estudos de caso. Segundo o texto, preocupa que o governo centralize a sua política cultural. O desmonte de órgãos públicos permite, em tese, que as autoridades concedam ou neguem financiamento apenas de acordo com quesitos ideológicos.

O risco, nesse sentido, é que o Brasil siga o caminho de países como Rússia, Polônia, Hungria e Turquia. “São ditas democracias com lideranças nacionalistas, populistas e conservadoras”, diz Jasmina Lazovic, uma coordenadora do Freemuse, que tem sede em Copenhague. Ela compara o Brasil também com a Sérvia, onde nasceu. “Tentam controlar círculos acadêmicos e culturais.”

Esse tipo de controle afeta, em especial, os países em que artistas muitas vezes dependem de financiamento público para poder trabalhar. Ali, essa censura sutil acontece no bolso. “Não é que o presidente ou o ministro ajam diretamente para censurar uma obra específica”, Lazovic diz. “Mas eles colocam nos cargos de chefia pessoas que apoiam a sua ideologia, fazendo com que exista um controle indireto.” Não proíbem uma exposição, assim, mas decidem não financiar.

Vem à mente, nesse contexto, o caso do diretor russo Kirill Serebrennikov. Ele dirigia o influente e experimental Centro Gogol de teatro havia oito anos. Até que, em fevereiro, as autoridades moscovitas —que financiam as atividades— decidiram não renovar seu contrato. Ativistas dizem que essa decisão teve cunho político, devido aos atritos entre Serebrennikov e o governo russo.

O diretor russo Kirill Serebrennikov aguarda o seu julgamento em Moscou, em 2018 - AFP

Não foi o primeiro percalço do diretor. Em 2017, ele foi acusado de desviar fundos públicos, um suposto crime pelo qual foi posto em prisão domiciliar. É outro caso político, na interpretação do Freemuse. Parte da acusação é de que Serebrennikov nunca produziu “Sonho de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare, peça pela qual recebeu verba. A peça foi vista por milhares de pessoas.

Essas são estratégias difíceis de dimensionar e, por isso mesmo, preocupam tanto grupos como o Freemuse. “O fato de que nós registramos menos casos de violação de liberdade artística no Brasil não quer dizer que esteja tudo bem”, Lazovic diz. “Para evitar a crítica, esses governos centralizam suas instituições culturais e a maneira como usam verba pública. São vias que parecem legítimas, mas na prática resultam na redução dos espaços abertos à expressão cultural.”

Lazovic afirma que esse é o caso de diversos países no centro e no leste europeu. Ela lembra a Hungria. “O premiê Viktor Orbán está realmente tentando, nestes últimos anos, tomar o controle de instituições culturais que deveriam ser autônomas para garantir que elas apoiem o seu governo.”

O controle da cultura não ocorre só via financiamento, ademais. A ONG diz que governos e entidades públicas representam a maior ameaça à expressão artística no mundo. Dos 978 casos de violação que o Freemuse documentou em 89 países, 60% foram incitados pelas autoridades.

O relatório lembra nominalmente o caso de Mario Frias, secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro. A organização diz que ele usou sua conta nas redes sociais para insultar o comediante Marcelo Adnet, levando a seu linchamento online por simpatizantes do governo.

O Brasil aparece, ainda, como exemplo de censura com viés religioso. O relatório do Freemuse menciona as tentativas de banir o filme natalino “A Primeira Tentação de Cristo”, da trupe Porta dos Fundos. À época, figuras políticas como os deputados federais Flordelis, do PSD, e Marco Feliciano, do Republicanos, criticaram o longa, assim como deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo. A Justiça do Rio de Janeiro chegou a determinar a suspensão da exibição do filme na Netflix.

Outro caso mencionado pela ONG é o da obra “Todxs xs Santxs – Renomeado – #Eunãosoudespesa”, parte de uma exibição censurada pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio por supostamente ofender o cristianismo. A peça representava uma santa com pênis à mostra.

Mesmo nos casos em que as obras de arte são por fim liberadas, a polêmica acaba fomentando protestos da população e autocensura, afirma Lazovic. Quando um governo e seus apoiadores tentam tanto proibir uma peça, por exemplo, os teatros decidem não correr o risco de abrigar a produção.

“Não importa onde você trabalhe como artista”, diz Lazovic. “Você sempre acaba enfrentando algum tipo de situação em que a sua voz é silenciada, especialmente se você lida com assuntos políticos sensíveis e usa a sua arte para criticar a ideologia do governo.”

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