Evento com temática LGBT é cancelado em SC e Mario Frias comemora decisão

Prefeitura de Itajaí alega que o título do projeto beneficiado com a Lei Aldir Blanc, 'Criança Viada Show', pode ferir o ECA

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São Paulo

Uma live intitulada Roda Bixa estava prevista para acontecer neste sábado (15), mas, na véspera, a transmissão foi cancelada pela prefeitura de Itajaí, cidade de Santa Catarina.

O evento promoveria o podcast Criança Viada Show, que ainda não está no ar. O projeto foi criado pelo ator e diretor Daniel Olivetto para resgatar a memória de infância de pessoas LGBT e foi contemplado pela Lei Aldir Blanc, pela qual recebeu R$ 10 mil da prefeitura. A transmissão seria exibida no canal do YouTube do Ações para Reexistir, também de Olivetto.

Em nota, a prefeitura de Itajaí informa que determinou a suspensão da exibição da live e que o termo “criança viada” pode confrontar o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por meio meio de uma notificação, informou que a live está suspensa até que sejam prestados esclarecimentos.

Olivetto afirma que interpretou a suspensão como uma espécie de intimidação da prefeitura sobre o projeto e, por isso, optou por não fazer a live neste sábado. Ele explica que a verba arrecadada para o projeto não foi suspensa e o podcast também não foi cancelado.

Live 'Roda Bixa' é cancelada pela prefeitura de Itajaí
Live 'Roda Bixa' é cancelada pela prefeitura de Itajaí - Reprodução/Instagram

Em nota, a prefeitura diz que "abrirá procedimento administrativo com o objetivo de apurar os fatos". Também determinou à Superintendência Administrativa das Fundações que "notifique o proponente para a suspensão da live de lançamento do projeto, pois o assunto foi remetido para apreciação da Procuradoria-Geral do Município, junto ao Ministério Público”.

O prefeito de Itajaí é Vôlnei Morastoni, do MDB, que, no ano passado, defendeu o tratamento da Covid-19 por meio de ozonioterapia —a prática não tem eficácia científica comprovada. Ele também afirmou, durante uma live, que a prefeitura ofereceria a aplicação da mistura dos gases oxigênio e ozônio pelo ânus de pacientes infectados pelo coronavírus.

Nesta sexta (14), Morastoni divulgou um vídeo em que se manifesta contra a live promovida por Olivetto, afirma que o título Criança Viada Show pode confrontar dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e também determina "a imediata destituição dos membros componentes da comissão que promoveu a escolha dos projetos".

O secretário especial da Cultura, Mario Frias, comemorou a decisão de Itajaí pelas redes sociais. “Parabenizo a prefeitura por reconhecer o equívoco, cancelando o edital, evitará que tomemos medidas jurídicas. Estarei sempre atento para impedir o uso da verba da cultura para outros fins, outrora ignorados pelos antigos governos.”

Frias criticou o projeto e escreveu que é lamentável que os recursos, repassados devido a imposição da Lei Aldir Blanc, sejam usados para fins políticos e ideológicos, e não para seu real motivo, o financiamento da cultura.

“Roda bixa, roda hétero ou roda alienígena não tem relação com os aspectos e manifestações da nossa cultura. Verificarei mais a fundo essa questão, para ver como será juridicamente possível garantir que os recursos da cultura não sejam aplicados para outros fins”, escreveu.

Neste sábado, o evento previa a participação de seis convidados que entrevistariam Olivetto. Ao contrário do que diz a prefeitura, ele esclarece que o projeto é feito por e para adultos, nunca tendo sido dito nada diferente disso na divulgação.

Além disso, ele relata que durante a divulgação do projeto sempre foi esclarecido o porquê do nome Criança Viada. O termo foi popularizado em 2004, quando o ativista Iran Giusti criou um blog em que discutia a experiência de homossexuais durante a infância e a adolescência. No portal, ele comentava também sobre o bullying sofrido por crianças homossexuais.

O termo serviu de inspiração para a obra “Travesti da Lambada e Deusa das Águas”, de Bia Leite, que reúne desenhos de duas crianças com escritos “criança viada travesti da lambada” e “criança viada deusa das águas”. A obra fazia parte da exposição “Queermuseu”, suspensa em 2017, na sede do Santander Cultural, em Porto Alegre.

Sobre a suspensão deste sábado, Olivetto diz se sentir censurado. “Eles usam outro nome, dizem que é uma suspensão. É uma prefeitura que não quis bancar a autonomia de uma gestão cultural que é de referência no estado. Também é moralismo e distorção dos fatos.”

Ele afirma que a suspensão foi uma surpresa. “A gente sabe com o que está lidando, mas confesso que até quinta-feira a noite estava feliz, pensei que estávamos evoluindo, até que veio essa avalanche”.

Agora, Olivetto busca orientação jurídica para retomar o projeto. “No momento, nosso posicionamento é atender a essa suspensão. A gente decidiu esclarecer publicamente, vai fazer um debate público, vamos lançar os episódios e vai fazer a live de estreia.”

Neste sábado, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, usou as redes sociais para dizer que lamenta a suspensão do evento e diz que oferece os canais da secretaria da Cultura do estado para a realização do projeto de Olivetto.

"Em um momento histórico dramático, em que os trabalhadores da cultura são os mais afetados, parte do poder público escancara o autoritarismo e a tentativa de impor sua visão ideológica sobre a sociedade brasileira", escreveu Leite.

O caso da live não foi a única suspensão de evento cultural da semana. Na quinta-feira (13), a exposição "Suaves Brutalidades", também com temática LGBT, foi cancelada em Belém. O projeto de Henrique Montagne Figueira foi aprovado no Prêmio Banco da Amazônia de Artes Visuais - Edital de Pautas do Espaço Cultural 2021, num valor de R$ 25 mil para a execução.

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