Maxwell Alexandre retrata negros ricos e poderosos para atacar complexo de vira-lata

Artista carioca traz sua exposição itinerante 'Pardo É Papel' para o Instituto Tomie Ohtake, sua primeira invidual em São Paulo

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Tela retrata negros contemplando uma tela dourada em um espaço branco

Obra da série 'Novo Poder', de Maxwell Alexandre, que mostra negros em espaços de arte Divulgação

São Paulo

O que Maxwell Alexandre, de 30 anos, quer levar para os museus na sua série "Pardo É Papel" é o "preto, marrento, ostentando, rico e poderoso". Nessas obras feitas com folhas de papel pardo, eles tomam conta de todo o espaço —que chega a ter mais de sete metros de largura— com seus cabelos platinados. E se graduam, dançam, pintam, ocupam tronos e saem de jatinho nessas cenas.

Mas antes de apresentar essas crônicas de bonança, o artista cerca o público numa outra cena em sua primeira individual em São Paulo, no Insituto Tomie Ohtake, que começa agora. Nela, só pessoas negras contemplam um longo quadro dourado e se relacionam com o cubo branco —e ninguém que visita a exposição escapa de contemplar essa imagem.

Os primeiros trabalhos que retratam museus e galerias, batizados "Novo Poder" e espécie de tema secundário dentro de "Pardo É Papel", foram feitos na sua primeira exibição da mostra que está no Tomie, em Lyon, na França. "O museu é esse lugar de afirmação e salvaguarda da memória, então, para mim, era importante estar morando no museu e fazer as primeiras obras de 'Novo Poder'", diz Maxwell Alexandre.

Essa é a quarta parada institucional da exposição, que foi pensada para ser itinerante pelo próprio artista, um dos nomes mais em evidência da nova geração de artistas brasileiros. Depois da França, a mostra passou pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, e o Museu de Arte do Rio, o MAR, no Rio de Janeiro.

"É curioso porque mais uma vez a história se repete, para reafirmar, talvez, essa síndrome de vira-lata que a gente tem. Nenhum museu abriu a porta para mim aqui. Precisei fazer o show fora, ter reconhecimento fora", afirma.

Suas obras têm atraído o mercado nos últimos anos, e museus como a Pinacoteca e o Masp têm trabalhos dele em seus acervos. Ainda neste ano, ele faz sua primeira individual em Paris, no Palais de Tokyo, e leva "Pardo É Papel" para Bienal da Tailândia. No ano que vem, terá uma mostra no The Shed, o espalhafatoso centro cultural que mudou a paisagem do Chelsea, em Nova York.

Mas quem viu primeiro essas obras que chegam ao Tomie, e que continuarão na itinerância, não estava num museu ou galeria. A primeira vez que o artista mostrou os papéis foi em 2018, na chamada Igreja do Reino da Arte, que fundou no bairro onde nasceu e vive, a Rocinha, pouco depois de começar a fazer autorretratos nessa superfície —e cujo nome, pardo, é usado também para designar cor no Brasil. Foi lá que se deu conta que a dimensão "faraônica" das peças tinha que estar nos museus e galerias, com seus pés-direitos altos.

E foi também na sua cidade natal, pelo menos até agora, que as obras ganharam ainda mais força com o público. Foi lá que a exposição recebeu uma performance dos rappers Baco Exu do Blues e BK.

"Isso era algo estratégico, sobre algo que me preocupava. Quando comecei a fazer parte do circuito de arte, eu estava preocupado porque, na minha pintura, o negro está como o centro, como protagonista. Só que o mundo da arte é branco. Era um constrangimento saber que na minha exposição ia ter só eu de preto."

As apresentações e a performance "Descoloração Global", que trouxe cabeleireiros para platinar cabelos dentro do museu, chamou o público. "Foi um dia preto no museu", afirma, sobre o resultado desse que foi um ponto alto da narrativa da série na avaliação do próprio artista.

As referências ao rap também são povoadas por nomes estrangeiros, como Tyler, The Creator e Jay-Z. Os versos do marido da Beyoncé, inclusive, indicam o caminho que Maxwell Alexandre quer seguir no mercado de arte. Em "The Story of O.J.", o rapper canta que comprou obras de arte por um milhão. Poucos anos depois, ela valia oito vezes isso, e ele canta que não pode esperar para dar as peças de presente a seus filhos.

"A última imagem do clipe de 'Apeshit' [clipe do casal gravado no Louvre] são eles na frente de um símbolo máximo da história da arte, que é a 'Mona Lisa'", diz. "Os caras estão entendendo que a parada é sobre capital simbólico."

Maxwell Alexandre, que é formado em design, diz que o artista plástico Kerry James Marshall, de 65 anos, foi sua primeira referência dentro das artes visuais —e isso fica explícito na sua série "Novo Poder". O pintor americano representa pessoas negras em sua tela em espaços de poder há anos. Na tela de 2018 "Underpainting", inclusive, o museu aparece tomado pelo público, com adultos e crianças, e como um espaço de aprendizagem.

Obra do artista Kerry James Marshall, que está no documentário "Arte Negra", da HBO
Obra do artista Kerry James Marshall, de 2009, que está no documentário 'Arte Negra', da HBO - HBO/Divulgação

"O que acontece de fato não importa, o que importa é o que é contado e como é contado, porque o que eu estou falando é sobre imagem. Você cria um imaginário para poder se imaginar e manter isso. O museu é o lugar onde você tem os agentes que vão legitimar essa história e do que é contado com prestígio", defende o artista.

O ouro da tela contemplada por seus personagens banha também seus outros trabalhos. É essa cor de realeza que tinge uma das maiores sequências de papel pardo —as folhas douradas, que acompanham a curva do próprio espaço expositivo, revelam o padrão ondulado da piscina capri, textura que sustenta as figuras negras suspensas nas suas outras telas.

"É um padrão que ressignifiquei e que fala de autoestima porque, na real, quando você olha para ele, você sabe que é um símbolo que vai designar a periferia. Você sabe que é a piscina de plástico, da laje, do pobre", ele explica.

Maxwell Alexandre também vai conduzir um tour pela exposição no Tomie Ohtake, gravado em vídeo, que ficará disponível a partir do dia 14 de maio no site do Instituto InclusArtiz, que realiza a itinerância da mostra. É uma possibilidade de ver as obras para quem não quer encarar uma ida ao museu e uma maneira de chegar a um público ainda maior.

Maxwell Alexandre - Pardo é Papel

  • Quando De 8/5 a 25/7. De ter. a dom.: 12h às 17h
  • Onde Instituto Tomie Ohtake - Av. Faria Lima 201, Pinheiros, São Paulo
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