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Cinema

Costa-Gavras faz filme que só não será áspero para economistas

Preço da honestidade intelectual é monotonia que ameaça o novo longa do diretor grego

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Jogo do Poder

  • Quando Estreia nesta quinta (12)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Christos Loulis, Alexandros Bourdoumis, Ulrich Tukur
  • Direção Costa-Gavras

Com “Jogo do Poder”, Costa-Gavras volta à Grécia. Sua Grécia natal e, sobretudo, a que deu nascimento a ele no cinema internacional, com “Z”, de 1969, formidável sucesso de denúncia da ditadura dos generais gregos da época.

Os tempos mudaram. A Grécia de “Jogo do Poder” é uma democracia e faz parte da União Europeia. Estamos em 2015, com o país atolado em dívidas, seus bancos a perigo, e a Europa em peso –bancos em especial– disposta a esfolar o novo governo (de esquerda), caso decida não seguir os ritos da “austeridade” (que tão bem conhecemos aqui no Brasil).

Bem, é nesse panorama que um governo de esquerda é eleito, justamente com a função de rediscutir acordos assinados pela direita e julgados inaceitáveis além de inexequíveis pelo governo de esquerda.
À frente deles está Yanis Varoufakis, ministro da Economia, que representa a Grécia diante de BCE, FMI, EU e outras siglas, com seus representantes vestidos com muitas gravatas e nenhuma disposição para rediscutir acordos.

Costa-Gavras enfatiza esse ponto de maneira eficiente. O ministro da Grécia está só, numa enorme mesa, cercado de caras fechadas e ideias hostis.

Esse é o panorama, e não se pode dizer que Costa-Gavras o exponha de maneira inábil. O problema não é esse, e sim, a questão discutida é extremamente técnica e, por mais adepto de um cinema popular e didático que seja o diretor, a narrativa de “Jogo do Poder” será áspera —exceto para economistas, claro.

Isto é, como entender que um país endividado até o pescoço, mesmo vendendo seus bens públicos, ficará ainda mais pobre?

Não é coisa simples. E não há por onde simplificar. Por mais simpático que o espectador fique ao ministro grego (Varoufakis, não por acaso, escreveu o livro em que se baseia o filme), por mais ênfase que se dê ao lado político, a questão é complexa. Mesmo que o espectador desconheça o desfecho, a tentativa de criar emoção, de criar dúvida sobre se a Grécia deixará a União Europeia ou não, a questão ainda não é simples.

É até possível que espectadores europeus (que participaram de um modo ou outro do drama grego) se entendam com mais facilidade com o material apresentado. É bem possível também que espectadores brasileiros já cheios dos próprios problemas percebam o que acontece ali como um drama tão remoto quanto se estivesse acontecendo em Marte.

Em todo caso, esse é o preço que Costa-Gavras precisa pagar por um cinema que, ao longo das décadas, se contentou em tornar problemas políticos palatáveis a grandes plateias –o que se ganha em plateia se perde em profundidade (o que, no cinema, significa interesse do filme a longo prazo).

É o caso de “Z”. Terminado o drama da ditadura grega alguém se interessa em rever o filme? Aqui, fiel a seu cinema, Costa-Gavras criou um filme de ação. Só que a única ação de fato que podemos seguir consiste em gente engravatada andando de uma sala para outra e um grupo de gregos resistindo tão heroicamente quanto possível às prensas dos banqueiros europeus (que se arruinariam, caso aceitassem os termos de acordo propostos pelos gregos –é o que sugere o filme, em todo caso).

O preço da honestidade intelectual de Costa-Gavras, aqui, é certa monotonia que ameaça o filme sequência após sequência. Os balés que, mais para o final, tentam evitar a sensação, são um desastre. Se o filme resiste é pela sincera fidelidade do cineasta ao projeto da esquerda grega e à sua narrativa. Não é um mérito menor numa Europa neoliberal.

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