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Filme oficial da Tóquio-2020 vai exibir oposição aos Jogos por causa da Covid-19

Pandemia forçou diretora Naomi Kawase a repensar sua abordagem diante do avanço da doença

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Leo Lewis
Tóquio | Financial Times

O filme oficial das Olimpíadas de Tóquio 2020 refletirá a oposição pública à realização do evento durante uma pandemia e desafiará a ideia de que o coronavírus pode ser “derrotado” como se fosse um inimigo, de acordo com sua diretora.

Naomi Kawase disse em entrevista, antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, que tinha de repensar radicalmente sua abordagem ao documentar o evento por causa da crise de saúde.

“Cerca de seis meses atrás, eu achava que seria um tema muito fácil de compreender que as Olimpíadas eram prova de que o mundo havia superado a pandemia”, disse Kawase.

“No entanto, de lá para cá minha forma de pensar mudou um pouco, para um sentimento de que não há como superá-la”, disse a realizadora de filmes elogiados pela crítica como “O Segredo das Águas” e “Floresta dos Lamentos”.

Os comentários de Kawase surgem em um momento no qual Tóquio luta com os desafios práticos de sediar um espetáculo mundial multibilionário enquanto a cidade continua em estado de emergência.

Os organizadores também estão enfrentando uma batalha de relações públicas, e alguns dos grandes patrocinadores parecem estar questionando os benefícios de associar seus nomes aos Jogos. Toyota e Panasonic decidiram que não realizaram campanhas publicitárias de televisão no Japão com referências diretas aos Jogos Olímpicos.

Kawase disse que o filme oficial não seguiria uma narrativa simples e otimista, e em lugar disso incorporaria um amplo espectro de opiniões sobre o significado de realizar os Jogos durante a pandemia.

As medidas adotadas para impedir que o vírus se espalhe incluem excluir espectadores de quase todas as competições, criando uma atmosfera que nenhum realizador anterior de filme olímpico teve de encarar.

“Não há como vencer, não há como derrotar o coronavírus; é possível pegar o coronavírus, é possível ser infectado”, ela disse. “Temos de pensar em como encarar esse fato e levar a vida em frente, sem suprimi-lo com essa perspectiva de os seres humanos tentando derrotar alguma coisa. Creio que seja uma atitude muito egoísta pensar que é possível erradicar alguma coisa que não vai desaparecer.”

Kawase conquistou a Câmera de Ouro no Festival de Cinema de Cannes em 1997 por “Suzaku”, seu filme de estreia, e vem sendo celebrada por sua dissecção contida mas implacável da sociedade japonesa moderna.

Ela foi selecionada pelo Comitê Olímpico Internacional, o COI, para dirigir o filme oficial, em 2018, mas teve de discutir para ser autorizada a seguir sua abordagem, “única”, afirmando ter presumido no ano passado que todos os japoneses se uniriam e trabalhariam com afinco para sediar o evento.

“Fui otimista demais”, disse Kawase, acrescentando que mais pessoas estavam questionando por que as Olimpíadas haviam seguido em frente quando há vidas potencialmente em risco. “Assim, por fim tivemos de ir em frente na situação atual, em que a maioria do Japão é contrária às Olimpíadas. É uma divisão que na verdade não esperávamos e, por isso, capturar essa divisão no filme oferecerá um registro histórico raro, acredito.”

O desafio de Kawase como documentarista da Olimpíada segue a tradição de Kon Ichikawa, o cineasta japonês escolhido para registrar a Olimpíada de Tóquio em 1964. Seu retrato do evento enraiveceu tanto os dirigentes olímpicos quanto o governo japonês, que exigiram cortes que o cineasta não estava disposto a fazer.

Placa e especificam todas as regras preventivas contra Covid- 19 estão espalhados pelo estádio em Toyota (Japão)
Placa e especificam todas as regras preventivas contra Covid- 19 estão espalhados pelo estádio em Toyota (Japão) - Gilberto Yoshinaga/Folhapress

Ainda que a oposição pública aos Jogos tenha se atenuado com a aproximação da cerimônia de abertura e com a vacinação completa de proporção maior da população japonesa, as mais recentes pesquisas demonstram que a maioria do público continua oposta à realização dos jogos.

Um grupo de acadêmicos e outras figuras importantes fez um esforço final na semana passada para convencer o governo de Tóquio a cancelar o evento. A petição deles afirmava que era “insano” sediar os Jogos Olímpicos nas atuais circunstâncias.


Tradução de Paulo Migliacci

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