Renato Russo, morto há 25 anos, contou à Folha em 1994 por que largou drogas

'Estava me destruindo e, em vez de me matar com um tiro na cabeça, preferi procurar ajuda', disse o músico na ocasião

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São Paulo

Nesta segunda, se completam 25 anos da morte de Renato Russo, ex-líder da banda Legião Urbana. Dois anos antes dela, em 1994, o vocalista e compositor daquela que foi uma das maiores bandas de rock brasileiras conversou com este jornal sobre a nova fase que vivia, longe das drogas e da bebida.

Na ocasião, a banda fazia um show no interior de São Paulo com a turnê do disco "O Descobrimento do Brasil" quando problemas com a acústica levaram o grupo convocar uma reunião de emergência num hotel de Campinas. Após a reunião, Renato Russo concedeu ao jornalista Alexandre Matias a seguinte entrevista.

Qual é o seu disco favorito da Legião Urbana?
Renato Russo:
O "V", que eu acho o disco mais difícil. Gosto muito de "O Descobrimento do Brasil". Agora, que encontrei a programação dos 12 passos —parei de beber e de me drogar—, tudo está mais tranquilo. Esse show de hoje, por exemplo, o som estava um caos, tudo estava um horror, e o público, superlegal. O lugar tinha uma reverberação brutal. O público berrava muito, e o engenheiro de som teve de aumentar tudo, desequilibrou. No começo era só "bum-bum-bum" e eu berrando, não dava para ouvir os detalhes. Mas, se fosse em outra época, eu teria ficado tão preocupado que ia beber, tomar um porre, falar "nunca mais vou fazer show", nhém, nhém, nhém... Isso agora não existe mais. Há uma tranquilidade, uma serenidade que esse disco trouxe, e acho que as músicas refletem isso.

Como foi sair dessa fase?
Eu estava me destruindo e, em vez de me matar com um tiro na cabeça, preferi procurar ajuda. Isso vem desde os 17 anos, mas, no "V", foi a primeira vez que coloquei na música essas questões. "Montanha Mágica" é sobre isso. Eu era jovem e acabei entrando num beco sem saída.

Isso foi me consumindo, eu ficava deprimido e não sabia o porquê. Achava que o mundo era horrível, igualzinho ao Kurt Cobain, nada mais valia a pena. E isso é estranho porque, se eu achar um dia que as coisas não valem a pena, quero estar com a cabeça no lugar, e não com o corpo cheio de toxinas. Parei com todo tipo de droga e vi que as coisas não eram tão ruins.

Isso se refletia na sonoridade da banda?
Isso a gente decide. Todo disco a gente tenta fazer uma coisa diferente, até porque é mais divertido. E para não ficar na obrigação de repetir o mesmo trabalho. Não achávamos que o "Quatro Estações" fosse estourar, porque é um disco bem difícil, mas todo mundo gostou. As letras são complicadíssimas e não é tão para cima quanto acham. É tão depressivo quanto o "V".

Tentamos fazer músicas mais para cima porque era natural, mas não ficava bom. "O Descobrimento do Brasil" não é um disco para cima, é como o "Power, Corruption and Lies", do New Order. É a coisa mais gloriosa do mundo, mas, se prestar atenção, é pesado.

Como o "Quatro Estações".
No geral, as pessoas acharam que aquilo foi a coisa mais alegre que já foi feita. Enquanto o "V", não. A gente tentou fazer uma música alegre pelo menos, de tudo quanto foi jeito, e não saía. "Vento no Litoral" só tocou porque tem uma melodia bonita. Acho "Metal contra as Nuvens" uma música super-acessível. O problema é que o disco falava de coisas que as pessoas não estavam querendo ouvir na hora. Foi quando estourou a axé music, a gente veio na contramão. Mas o disco tem as melhores letras, de longe. Consegui falar tudo o que eu queria. Mas as pessoas não queriam ouvir aquilo. Por exemplo, "Metal contra as Nuvens" é uma música sobre o Collor, mas nunca ninguém falou sobre isso.

Como você vê a crítica?
Eles usam os motivos errados. Eu não sou o dono da verdade, mas, para mim, o que motiva esses caras é um rancor e uma incompreensão do que é o nosso país e de como as coisas funcionam. Existem iniciativas maravilhosas no Brasil e a gente não sabe. Aí a gente fica oprimido, achando que tudo não presta, que tudo é horrível. Gostaria de poder apresentar um bom trabalho para as pessoas que gostam da gente. Acho sacanagem, na posição que a gente está, não tentar se esforçar o máximo para apresentar o melhor que a gente pode fazer.

E o futuro da Legião?
Não tenho ideia. Eu não vejo como a gente vai seguir o que está fazendo sem se repetir. Depois de "Perfeição", eu vou escrever o quê? Depois que você fala "vamos celebrar a estupidez humana", o que você vai falar? Então talvez a gente faça uma coisa parecida com o que o The Cure faz, para depois, com o tempo, a gente fazer uma mescla. Ou virar uma banda de trabalho, como o New Order. Eu não quero ficar falando como eu acho tudo horrível como está. Se a gente cansar, a gente para. Se a gente achar que ainda vale a pena fazer alguma coisa, a gente continua.

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