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'7 Prisioneiros' retrata escravidão atual em paralelo com as desilusões políticas

Alexandre Moratto dirige filme para a Netflix após fazer sucesso com 'Sócrates' e recebe Fernando Meirelles na produção

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São Paulo

Quando fez "Sócrates", há cerca de três anos, Alexandre Moratto mergulhou numa realidade distante da sua, para acompanhar um garoto negro e gay, da periferia do litoral paulista, que perde a mãe e precisa se virar para sobreviver. Ele foi aplaudido em festivais nacionais e internacionais, ganhou o prêmio Someone to Watch —"alguém para ficar de olho"— no Spirit Awards e resolveu, em seu próximo projeto, denunciar outra tragédia social.

Moratto agora lança "7 Prisioneiros", que fala sobre relações de trabalho análogas à escravidão, mas dessa vez ele trabalha numa escala muito maior, com a fama de Rodrigo Santoro atraindo público e a máquina da Netflix coordenando um lançamento grandioso nos bastidores.

Rodrigo Santoso e Christian Malheiros em cena de "7 Prisioneiros" - Aline Arruda/Divulgação

Depois de ser exibido nos festivais de Toronto e de Veneza —onde ganhou um prêmio paralelo— e de ser ventilado como provável candidato brasileiro ao Oscar —embora tenha sido preterido por "Deserto Particular"—, "7 Prisioneiros" emenda sua passagem pelas salas da Mostra de Cinema de São Paulo com a estreia no streaming, nesta quinta-feira.

O filme mostra um grupo de jovens da zona rural que, seduzidos pela promessa de emprego e dinheiro farto, vão para São Paulo para trabalhar num ferro velho. Sua primeira noite na cidade é quase onírica, com os meninos deslumbrados pela altura dos prédios e envolvidos em planos para um futuro que, prometeram, será melhor do que se tivessem ficado em casa.

O pesadelo começa no dia seguinte, quando eles se tornam os prisioneiros do título. O dono do lugar, personagem de Santoro, avisa que o transporte para a capital paulista, a hospedagem precária, a comida e o adiantamento recebido pelas famílias geraram uma dívida, que eles precisam pagar com trabalho não remunerado. Para piorar, eles são trancados num dormitório, separados do mundo exterior por uma grade de ferro, como na cadeia.

A partir daí, começa uma luta por liberdade —atrapalhada pelo entrosamento do dono do ferro velho com Mateus —Christian Malheiros, também de "Sócrates"—, um dos meninos.

"Quando eu vejo coisas que me perturbam, que me tiram o sono, eu prefiro encarar elas. Eu acho que isso faz parte do meu trabalho como cineasta. Então quando eu vi uma matéria sobre tráfico humano e trabalho análogo à escravidão, eu fiquei muito chocado", diz Moratto.

"Eu vi imagens de um jovem aqui em São Paulo, em pleno século 21, e ele estava acorrentado. Eu não conseguia tirar essa imagem da minha cabeça, então eu mergulhei em pesquisa, entrevistei pessoas que tinham sobrevivido a esse tipo de situação e quis, com o filme, transmitir tudo o que eu tinha visto e aprendido sobre o tema."

Mesmo que pouco retratado no cinema e na televisão, o trabalho escravo contemporâneo é muito presente no Brasil. No ano retrasado, de acordo com o Ministério Público do Trabalho, denúncias do tipo cresceram 7,63% —foram 1.700.

Na produção de "7 Prisioneiros", está outro nome que já levou as injustiças e desigualdades da realidade brasileira para as telas —Fernando Meirelles, diretor de "Cidade de Deus", que produziu o novo filme de Moratto e também "Sócrates", lá atrás.

"A desigualdade é um troço que me incomoda. Eu estou do lado bom dessa desigualdade, mas ela me incomoda profundamente", diz Meirelles. "Agora, o que realmente me atrai nesse filme é o dilema moral do personagem, que tem uma causa, quer defender os amigos, quer justiça, mas, de repente, há uma virada na trama", interrompe ele, para não dar spoiler.

Meirelles vê ecos políticos na narrativa, que pode ser resumida como a de um idealista que se vê balançado pelo poder. "No fundo, o filme poderia estar falando de um partido político, que se diz do povo, que as massas apoiam, e depois ele começa a fazer acordo com o centrão, se desliga da sua base, das suas causas, do que acredita", afirma Meirelles.

Seria "7 Prisioneiros", ou ao menos a fala, uma alusão ao petismo? "Não, não. Isso acontece com o partido que você quiser. A hora que o cara é eleito, ele vira outra coisa. O Mateus, no filme, é uma metáfora de algo humano, que acontece em todos os países. Metade do nosso Congresso se identificaria com esse personagem."

É um filme que pretende ser universal, resumem diretor e produtor, falando de poder e corrupção em diversas escalas e contextos. A ideia não é direcionar críticas a personagens reais, mas denunciar uma situação que se repete e que pode "tocar pessoas fora do Brasil também".

Moratto e Meirelles devem continuar a parceria, muito bem-sucedida até aqui, no futuro breve. O diretor, nascido nos Estados Unidos mas cidadão brasileiro, conta estar "cozinhando" mais um projeto nacional —outro que vai denunciar males do país, dessa vez o desmatamento, o que levou Moratto a morar seis meses em Manaus—, e um sobre a comunidade latino-americana na Califórnia.

Ele diz que vai enviar os roteiros para Meirelles —que admira desde os 14 anos, quando o recebeu em seu colégio para uma palestra— e espera ter o parceiro mais uma vez ao seu lado.

7 Prisioneiros

  • Quando Estreia nesta quinta (11), na Netflix
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Rodrigo Santoro, Christian Malheiros e Vitor Julian
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Alexandre Moratto
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