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Renato Terra

Por que 'A História Sem Fim' é muito diferente dos filmes infantis atuais

Filme é igualmente angustiante e maravilhoso por apresentar temas áridos com muita poesia e beleza

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A História Sem Fim

  • Onde HBO Max
  • Produção Alemanha; EUA; 1984
  • Direção Wolfgang Petersen

Uma confissão íntima: uma das primeiras memórias que tenho da vida é estar sentado com meus pais no chão de um cinema —na década de 1980, isso era possível—, assistindo ao filme "A História Sem Fim", de 1984.

Lembro que o mundo de fantasia era consumido pelo vilão mais perverso que já vi até hoje, o "Nada". Uma fumaça escura difusa, cercada por tempestades, que desaparecia completamente —e para sempre— com planícies, oceanos, buracos, com a vida, com a esperança.

Menino em cima de um animal fantasioso
Cena do filme 'História Sem Fim', de 1984 - Divulgação

Metáforas fortes sobre a irreversibilidade da morte, do tempo, das perdas fazem "A História Sem Fim" soar bem diferente dos filmes infantis mais recentes.

Em "O Rei Leão", por exemplo, a morte do pai de Simba está dentro do contexto do ciclo da vida. Em "Up - Altas Aventuras", o senhor Frederiksen perde a mulher e parte para os sonhos de vida que tiveram juntos. Em "Viva - A Vida é Uma Festa" e "Soul", os mortos vão para outro mundo. Em todos esses casos, existe a ideia de continuidade depois da morte.

Eu devia ter quatro anos de idade quando vi "A História Sem fim" pela primeira vez. Mais de 30 anos depois dessa experiência, revi "A História Sem Fim", na HBO Max. E foi igualmente angustiante. E maravilhoso.

O filme começa com o menino Bastian —papel de Barret Oliver— acordando. Num diálogo com o pai no café da manhã, é revelado que a mãe de Bastian morreu e que o menino de dez anos vai mal na escola. E o pai cobra: "Você já tem idade suficiente para não ficar com a cabeça nas nuvens. Tem que manter os dois pés no chão. Pare de sonhar acordado. Comece a enfrentar os problemas".

Na cena seguinte, Bastian sofre bullying de três crianças e se esconde numa livraria. É ali que descobre o livro "A História Sem Fim". Assim que Bastian começa a leitura, nasce o mundo de fantasia. Um gigante comedor de pedras estaciona seu veículo perto de outros seres fantásticos. O seguinte diálogo acontece:

— Comedor de Pedras: "Perto da minha casa, costumava ter um lindo lago. Mas, então, ele sumiu."

— "O lago secou?"

— "Não. Simplesmente não está mais lá. Não existe mais nada lá. Nem mesmo o lago seco."

— "Um buraco?"

— "Um buraco seria alguma coisa. Não. Não existe nada. E está crescendo mais. E mais."

Os seres fantásticos partem para a Torre de Mármore para pedir ajuda à Imperatriz. Lá, designam o aventureiro Atreyu —Noah Hathaway— para uma jornada solitária, e sem armas, contra o "Nada".

À medida que o filme avança, começa uma criativa interação entre o leitor Bastian e a jornada de Atreyu. Mas nada parece ser capaz de conter o "Nada". Cercado por nuvens e tempestades, Atreyu encontra o gigante comedor de pedras, que diz: "Minhas mãos parecem grandes. Muito fortes. Eu sempre pensei que fossem mesmo. Mas não pude segurar os meus amiguinhos. O ‘Nada’ os arrancou das minhas mãos".

E, depois de lamentar, completa resignado: "Ouça, o ‘Nada’ estará aqui a qualquer minuto. E vou me sentar aqui e deixar que ele me leve também".

A jornada de Atreyu estimula a "enfrentar os problemas", como diz o pai de Bastian no começo do filme. Mas, ao mesmo tempo, estimula a fantasia, a imaginação e a leitura.

É um filme complexo que apresenta temas áridos com poesia e beleza. Pensamentos angustiantes, difíceis, ao mesmo tempo que estimula a coragem e a imaginação

Renato Terra

Roteirista do Conversa com Bial e diretor dos documentários 'Narciso em Férias', 'Eu Sou Carlos Imperial' e 'Uma Noite em 67'. Trabalhou na revista piauí até 2016 e foi o ghost-writer do 'Diário da Dilma'

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