Descrição de chapéu Folhajus

PM que chefia Rouanet diz na OEA que cultura é sagrada e mística e foge de perguntas

Secretário evitou falar sobre casos envolvendo 'Marighella' e edital de temática LGBT que foi cancelado

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Belo Horizonte

Em meio a acusações de censura a artistas brasileiros, a gestão Mario Frias, que chefia a Cultura no governo Bolsonaro, foi convocada para uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na tentativa de identificar se há cerceamento de liberdade artística e cultural no Brasil. A CIDH é um órgão independente da OEA, a Organização dos Estados Americanos.

Durante a reunião, o governo Bolsonaro tergiversou e não esclareceu uma série de pontos polêmicos que motivaram a audiência —tais como o cancelamento de um edital com séries de temática LGBTQIA+ em 2019, a proibição de linguagem neutra em projetos da Lei Rouanet, a censura de biografias de lideranças negras históricas no site da Fundação Cultural Palmares, entre outros.

O secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, iniciou sua exposição dizendo que a cultura "é a pedra angular onde o exercício da civilização é brotado e germinado", além de soltar frases como "a cultura é como uma heráldica mística sagrada tremulando" e afirmar que a cultura, "esse algo místico, esse algo indescritível, que pertence tão peculiarmente ao nosso povo, consegue se expor e se maravilhar nessa coisa fantástica que chamamos de comunidade". ​

A audiência foi pedida pelo Mobile, o Movimento Brasileiro Integrado pela Liberdade de Expressão Artística, que é formado pelas organizações Artigo 19, 342 Artes, Laut, Rede Liberdade, Mídia Ninja, Movimento Artigo Quinto e Samambaia Filantropias.

O Mobile pede que a CIDH faça monitoramento constante da situação atual da liberdade de expressão artística no Brasil, realize uma visita oficial ao país e faça relatórios sobre liberdade cultural, questione formalmente o Estado brasileiro acerca de denúncias de violações de direitos e liberdades e adote medidas cabíveis para proteger artistas e agentes cultuais ameaçados.

No tempo destinado à sua exposição inicial, membros do governo federal evitaram falar de casos específicos e optaram por frases como "o Brasil é um país onde reina o império da liberdade" e citar trechos da Constituição e acordos internacionais que, no papel, garantem a liberdade de expressão artística.

Na reunião, representantes da sociedade civil optaram por trazer acusações de censura —como Wagner Moura, diretor de "Marighella", e Thiago Tao, organizador do festival de jazz que foi reprovado por parecer técnico que citou Deus.

Porciuncula então afirmou que, quando a gestão Mario Frias chegou ao governo, havia "uma superconcentração de verbas, em que 10% das grandes empresas do Brasil abocanhavam 80% dos recursos públicos", e que a equipe empreendeu medidas de descentralização e "retirada de mecanismos de fomento dessa pequena elite".

Entre as ações do governo, o secretário disse que a Lei Rouanet, de renúncia fiscal, bateu recordes em termos de investimentos, e também citou a Lei Aldir Blanc, de auxílio emergencial ao setor cultural em meio à pandemia, um projeto de lei que veio da oposição.

Na réplica dos representantes da sociedade civil, o professor de direito Conrado Hübner, colunista deste jornal, disse "eu pessoalmente, e tantos outros, não estou vivendo o 'império da liberdade'".

"Infelizmente o Estado não enfrentou os argumentos aqui tratados, não deu explicações sobre violações e, assim, desrespeitou esta comissão, a comunidade artística e o público. O Estado adotou uma trajetória retórica diversionista. Lembra muito, com todo respeito, a postura do governo brasileiro nos anos 1970, no ápice da ditadura militar."

Hübner também acusou os representantes do governo presentes na audiência de distorção de fatos e números e negacionismo. O professor, então, pediu que o governo usasse sua tréplica para explicar episódios como os do edital para obras audiovisuais LGBTQIA+ que foi cancelado, a censura de biografias de personalidade negras na Palmares, o pedido de investigação do cartunista Renato Aroeira e do jornalista Ricardo Noblat por divulgação de charge que associava Bolsonaro a uma suástica nazista, além da proibição de linguagem neutra em projetos da Lei Rouanet.

O gestor cultural Guilherme Varella, também representante da sociedade civil, afirmou que "hoje, a censura está travestida de expedientes administrativos, não é uma censura escancarada". "Mas é uma censura que encontra formas de fazer de maneira que os artistas não possam expor livremente a sua arte e que as instituições não possam amparar e dar apoio público aos artistas", continuou.

Porciuncula não respondeu diretamente aos questionamentos de Hübner e disse que o que os críticos tentam chamar de censura são na verdade "meras regras burocráticas".

O policial militar que comanda as decisões sobre a Rouanet se defendeu de críticas à Fundação Palmares destacando que o presidente, Sérgio Camargo, é negro. Disse ainda que a população brasileira é "muito miscigenada e que não há na sua carga cultural esses valores racistas institucionais". "Nunca presenciamos no Brasil apartheid, nunca presenciamos nenhum tipo de segregação relacionada à nossa cor de pele."

Sobre o festival de jazz na Bahia que recebeu sinal vermelho para captar recursos via Lei Rouanet, em parecer carregado de referências religiosas, Porciuncula afirmou que a citação de Johann Sebastian Bach —"o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma"— era um argumento periférico, secundário.

Segundo ele, o festival de jazz é um evento político, e não cultural, por ter afirmado ser antifascista em suas redes sociais —e que por isso não poderia ser enquadrado na Lei Rouanet.

Porciuncula relacionou o fato de o governo Bolsonaro ter acabado com o Ministério da Cultura —e ter transformado a pasta em uma secretaria subordinada ao Ministério do Turismo— a um compromisso do governo Bolsonaro com austeridade econômica. "Isso não é um rebaixamento do status da cultura, é apenas uma facilitação do processo de gestão burocrática", afirmou.

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