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Jovem pobre do Ceará é jóquei celebridade na Coreia em documentário

Dirigido por Guto Parente e Mi-kyuong Oh, 'Um Jóquei Cearense na Coreia' mostra barreiras de cultura e dificuldade do esporte

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Um Jóquei Cearense na Coreia

Já no título "Um Jóquei Cearense na Coreia" enuncia uma série de significados. A distância, o deslocamento, o exotismo da situação, as particularidades da profissão. Falamos de turfe, uma atividade que no Brasil já comoveu multidões, mas hoje parece em agonia.

Talvez seja por isso que Antonio Davielson foi parar em Seul, na Coreia do Sul, onde o turfe parece uma atividade tão popular quanto o futebol por aqui. É o lugar em que Davielson, jovem pobre nascido e criado em Fortaleza, se tornou famoso depois de ganhar 82 corridas em um ano e a eleição por voto popular de melhor jóquei do país.

Esse é o lado eufórico da história. Davielson vive ali com a mulher e a filha em boas condições. Mas isso não é tudo na vida. E a câmera de Guto Parente, de "Clube dos Canibais", diretor cujo trabalho vem amadurecendo de forma mais que animadora, vai nos mostrar algumas particularidades nem sempre tão felizes.

Cena do filme 'Um Jóquei Cearense na Coreia', de Guto Parente e Mi-kyung Oh
Cena do filme 'Um Jóquei Cearense na Coreia', de Guto Parente e Mi-kyung Oh - Divulgação

Primeiro, viver em Seul mal falando inglês (que dirá coreano) implica limitar sua vida social à família. Ou seja, ela inexiste. Pode, com a mulher, ir a um karaokê, trocar duas ou três palavras com um outro jóquei ou com um proprietário de cavalos, se divertir um pouco na neve. Mas, basicamente, é isso.

Seu cotidiano é de um atleta profissional, com exercícios físicos e treinos com os animais. A particularidade estafante é a necessidade de lutar contra o aumento de peso. O que significa correr com agasalho, fazer sauna, se privar de alimentos —há dias em que seu jantar consiste em um copo d’água e pouca coisa mais.

Por trás dessa rotina existe uma angústia que contrasta bem com o momento feliz de, por exemplo, ganhar uma corrida levando seu cavalo com grande habilidade —um pouco que engorde, já passa do peso e perde montarias.

Essa se desdobra em outra, que é até quando ele vai durar na profissão. Existem jóqueis que vão até 45 ou 50 anos de idade. Outros param com 30 ou 35. E depois? Melhor não pensar muito nisso. Já basta o perigo das corridas propriamente ditas. Quando um jóquei deixa de ser o melhor e começa a decair? Impossível prever. A instabilidade está inscrita na profissão.

Sua mulher pensa em outras coisas. Levou mais de um ano para conseguir pagar uma conta sozinha, por exemplo. E não conhece ninguém. Os parentes estão muito distantes. Davielson escuta suas reclamações. Súbito, o documentário se deixa permear por uma incontornável melancolia. "Todo mundo fala que eu sou antissocial", desabafa o jóquei. Como não ser? Mal falando inglês, como se comunicar?

Não por acaso, ele é capaz de lembrar o primeiro dinheiro que ganhou montando cavalos de corrida. Foram R$ 5, logo na época do Plano Real. O bastante para sua avó, que o criava, comprar meia galinha, farinha e algum outro ingrediente para o que ele lembra ainda hoje como a melhor refeição de sua vida.

Quando Davielson ou a mulher falam de Fortaleza fica bem claro que a Coreia do Sul é uma espécie de exílio a que devem se submeter para sobreviver, ou, como ele, acentua, para cuidar do futuro da filha. A língua, a cultura, o modo de estar no mundo, tudo é diferente, distante.

Talvez por isso no momento em que faz uma visita tudo parece se transformar. Seus trajes são outros, suas companhias são parentes e amigos do passado. Seu sorriso é bem diferente de quanto posa para fotos oficiais do jóquei clube local. Ele precisa mesmo disso, de tempos em tempos sonhar com a volta, com viver na periferia de Fortaleza, Ceará, talvez com algum dinheiro poupado.

Isto é, claro, um sonho para o futuro. Por ora tem de viver "o mundo como ele é". E, com efeito, eis o mérito central deste documentário, que Parente assina em conjunto com Mi-kyung Oh, evitar firulas e invencionices, dar conta de seu tema e de seu sujeito da maneira mais direta possível. Enfim, mostrar o mundo como ele é. Parece fácil como montar um cavalo de corrida. Não é.

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