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'Morte e Vida Severina' vira peça de teatro sobre os Severinos da uberização

Companhia pernambucana Magiluth apresenta releitura de clássico de João Cabral de Melo Neto

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São Paulo

Uma tradição no teatro é o toque de três sirenes indicando o início do espetáculo. Mas em "Estudo n°1 - Morte e Vida", isso é um pouco diferente. No palco, à frente das cortinas ainda fechadas, o ator Giordano Castro já avisa à plateia que ele próprio é um dos famosos alarmes.

Quando o cenário, enfim, é revelado, vemos uma grande tela de projetor à mostra, que durante a peça é tomada por várias imagens —de luzes coloridas a vídeos no YouTube.

Diferente do que foi encenado em "Tudo o Que Coube numa VHS", "Todas as Histórias Possíveis" e "Virá" —três experimentos sensoriais do grupo pernambucano Magiluth no período de isolamento social—, "Estudo n°1 - Morte e Vida" é um espetáculo que foge da estranha linha de apresentações teatrais virtuais.

cena de peça
Integrantes do grupo Magiluth em cena do espetáculo 'Estudo Nº1: Morte e Vida', inspirado em João Cabral de Melo Neto - Vítor Pessoa/Divulgação

Mesmo assim, o digital se faz presente durante toda a peça, que acaba de estrear no Sesc Ipiranga e marcou o retorno do Magiluth aos palcos, depois de quase dois anos sem o cara a cara com o público.

Com inspiração no clássico "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, a companhia traz encenações que mesclam o dramático e o não dramático, num estilo que chamam de peça-palestra.

É como uma brincadeira metalinguística. São atores atuando como outros atores que ensaiam ali a própria "Estudo n°1 - Morte e Vida".

A peça repagina o enredo de Cabral para os tempos atuais. O Brasil dos anos de 1950 é resgatado para o país de hoje sem grandes esforços.

Crise imigratória, mudanças climáticas, desemprego, fome, precarização do trabalho e a rotina urbana conduzem as reflexões dos personagens, que interagem entre diálogos, músicas de hardcore pernambucano, vozes de podcast, a voz de Luiz Gonzaga, falas do ex-presidente Lula e sons que formam juntos uma crescente polifonia.

"As questões de Severino são de hoje", afirma Castro, em entrevista. "Agora, não somos somente os retirantes do Nordeste. Somos também os Severinos sírios, os italianos, os portugueses. Nós somos muitos Severinos."

"Estudo n°1 - Morte e Vida" amplia a trajetória do personagem ao estender os motivos e as circunstâncias que abraçam os rumos migratórios da atualidade. O espectador vê, no projetor, imagens reais de povos refugiados, e ouve trechos de notícias sobre crises que poderiam muito bem se referir às do Severino inventado pelos versos de João Cabral de Melo Neto.

Além de percorrer as mazelas de quem sofre com migrações forçadas, os Severinos refletem até mesmo sobre uberização e meritocracia.

"No livro, em cada encontro com a vida e desencontro com a morte, se abre um leque de discussões", acrescenta Castro. "Ficam mais questionamentos do que resoluções."

Três homens em frente a imagens projetadas de paisagem
Grupo Magiluth estrela 'Estudo n°1 - Morte e Vida' - Vítor Pessoa

Várias dessas dúvidas filosóficas são projetadas na tela. Plataformas como Google e YouTube são usadas pelos personagens, que buscam ansiosos por respostas sobre a própria identidade e existência —mas, ironicamente, não encontram nada além de conteúdos acumulados em dezenas de páginas repletas de informações ordinárias.

Segundo o diretor de "Estudo n°1 - Morte e Vida", Luiz Fernando Marques, o espetáculo se debruça sobre a tecnologia digital tanto para enfatizar a atmosfera temporal da trama quanto servir de instrumento de base para o formato de peça-palestra.

Esse hibridismo entre o virtual e o presencial é também parte da ressaca do teatro pixelado, que, apesar de inovador, pouco sustentou os artistas na pandemia.

"Não consigo ver uma volta ao virtual de maneira vertical como o que tivemos nos últimos dois anos", afirma Castro. "A gente vê hoje um público que já está saturado do universo digital, uma população cansada da ideia de enclausuramento, ainda que ele seja necessário, e atores que precisam sobreviver."

Agora, de volta ao teatro de carne e osso, o pernambucano diz que o Magiluth está finalmente pondo em prática uma dramaturgia que é pensada pelo grupo desde 2019. "É um trabalho que, mesmo diante de tantas mortes, tenta permanecer vivo."

Estudo Nº 1: Morte e Vida

  • Quando Em cartaz até 6 de março (dom.: 18h. Sex. e sáb.:, 21h)
  • Onde Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, São Paulo)
  • Preço De R$ 20 a R$ 40
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira e Giordano Castro
  • Direção Luiz Fernando Marques
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