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Artes Cênicas

'A Última Sessão de Freud', ainda bem, não fecha debate sobre Deus

Odilon Wagner faz o psicanalista e Claudio Fontana é C. S. Lewis em peça que celebra a divergência

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A Última Sessão de Freud

  • Quando De qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h. Até 27 de março
  • Onde Sala Itaú Cultural - av. Paulista, 149, São Paulo
  • Preço Grátis
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Claudio Fontana e Odilon Wagner
  • Direção Elias Andreato
  • Link: https://itaucultural-producao.byinti.com/#/ticket/
  • Acessibilidade
    • Intérprete de Libras
      Intérprete de Libras Há profissional que interpreta o conteúdo sonoro para pessoas com deficiência auditiva

Num primeiro momento, "A Última Sessão de Freud" parece um retorno às antigas formas de um teatro realista. Assim que se abrem as cortinas, vemos um enorme cenário que reproduz, em minuciosos detalhes, como a materialização de uma fotografia no palco, o gabinete do doutor Sigmund Freud, em 1939, o último ano de sua vida.

Entretanto, logo fica evidente que não se trata de um drama de época, ou de um conflito dramático entre subjetividades. O coração do espetáculo está posicionado mesmo é no confronto de ideias. São elas que regem o andamento da peça.

cena de peça
Odilon Wagner e Claudio Fontana em cena do espetáculo 'A Última Sessão de Freud' - João Caldas/Divulgação

Em seu gabinete, o psicanalista ateu recebe o escritor C. S. Lewis, recém-convertido ao cristianismo, para um debate franco que põe "Deus em questão" —esse é também o título do livro de Armand Nicholi, sobre as divergências de Freud e Lewis, que inspirou o autor Mark St. Germain a escrever "Freud’s Last Session" em 2010.

Olhando bem, os argumentos mobilizados no embate não apresentam nenhuma grande novidade filosófica. Contudo, a montagem atual, com Odilon Wagner no papel de Freud e Claudio Fontana interpretando C. S. Lewis, sublinha a construção reflexiva do debate e o entrechoque de suas ideias. Mesmo que o autor busque assinalar algumas idiossincrasias dos personagens, a atenção do público é magnetizada pelo raciocínio realizado em cena.

Em tempo de mistificação e irracionalismo, na política e na arte, a peça se torna um contraponto pelo seu elogio à razão crítica —até a fé de Lewis é observada, e defendida por ele, à luz da racionalidade, da lógica, do pensamento crítico.

Aparentemente, o terreno da razão é mais favorável à desconfiança que sempre ostentou Freud com relação às explicações metafísicas, fantasiosas ou sobrenaturais do comportamento humano. Já Lewis tem de se desdobrar para justificar racionalmente a presença espiritual de Deus sem apelar para os dogmas misteriosos da Igreja.

Porém, na peça, o confronto de ideias não tem vencedor, não há superação, reviravolta, ou algum momento de convencimento, apesar do empenho dos contendores. A divergência se mantém do começo ao fim.

Do ponto de vista dramático, o resultado é um tipo de anticlímax. Afinal, a peça termina sem resolução dos conflitos e não há nenhum grande desenlace no final. Mas o que pode parecer um defeito, na verdade, mantém o debate em suspensão crítica e o deixa aberto para seguir após os aplausos. A montagem brasileira, com escolhas simples de encenação e de interpretação, enfatizando mais o raciocínio do que o efeito cênico, consegue ressaltar essa viva incompletude.

O embate fictício entre Freud e Lewis sublinha ainda o potencial reflexivo de uma divergência. Durante a peça, as posições opostas não fazem deles inimigos, tampouco erguem barreiras intransponíveis entre os dois. Pelo contrário, é a discordância dialética entre ambos que instaura a vontade de construir e formular argumentos. É ela que provoca e que movimenta o pensamento.

Na atualidade regida pela intolerância, a peça faz lembrar que um momento importante da construção de nós mesmos se dá apenas quando nos deparamos com algo radicalmente diferente de nós, com um outro.

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