Descrição de chapéu desmatamento

Paulo Nazareth retrata um Brasil em convulsão na maior mostra de sua carreira

Exposição em São Paulo revê mais de 20 anos de trabalho do artista e tem pinturas inéditas

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Pintura da série 'Caramuru', de Paulo Nazareth Bruno Leão / cortesia galeria Mendes Wood DM e Espaço Pivô

São Paulo

Durante a pandemia, Paulo Nazareth pintou. Acostumado a caminhar longuíssimas distâncias, atravessando continentes calçando chinelos de dedo, o artista usou a impossibilidade de deslocamento do isolamento social para criar uma série de telas com tinta acrílica onde se veem policiais militares, a tropa de choque e uma viatura policial sendo atingidas por flechas.

"Aquela é a flecha da possibilidade, né? A flecha que se atira hoje para atingir o ontem. É o Caramuru acertando esses soldados da repressão", ele afirma, em entrevista por telefone, ao detalhar a série batizada com o nome do personagem português que se mudou para o Brasil no início do século 16 e manteve um triângulo amoroso com duas índias.

Há bastante tinta verde na série, que, embora faça referência a um passado folclórico, não ficaria deslocada no contexto político e social do Brasil de hoje. O verde nos fundos das pinturas, conta o artista, é uma referência às matas que estão deixando de ser verdes. A política de desmatamento atual, ele acrescenta, começou no momento em que o pau-brasil foi cortado pela primeira vez —na época de Caramuru.

Foto inédita feita por Paulo Nazareth durante a pandemia; obra sem título - Cortesia do artista e Mendes Wood DM São Paulo, Brussels, New York

Em exibição pela primeira vez para o público, as pinturas podem ser vistas agora numa grande mostra panorâmica que recupera mais de 20 anos da produção de Nazareth, no centro cultural Pivô, em São Paulo, com organização de Fernanda Brenner e Diane Lima, esta última escalada também para o comando da próxima Bienal de São Paulo. É a maior exposição individual da carreira do artista.

As cerca de 180 obras de "Vuadora" mostram o amplo repertório desse mineiro de meia-idade que se define como homem velho. Além de pintar, ele desenha, fotografa, cria instalações, faz vídeos com imigrantes africanos, talha jacarés na madeira, constrói carrinhos de brinquedo e registra suas caminhadas de milhares de quilômetros em trabalhos que abarcam questões diversas como a raça e o corpo negro, a vida de imigrantes pobres e os efeitos do capitalismo nas relações humanas.

Podem ser vistas, claro, suas conhecidas fotografias de quando foi a pé e de carona de sua casa na periferia de Belo Horizonte até Miami. Chamado "Notícias da América", o trabalho se desdobra ainda num chinelo de dedos bem sujo de terra, exposto no alto de uma parede.

O percurso até os Estados Unidos deu origem também a "Cadernos da África", uma caminhada-performance por países daquele continente na qual Nazareth lida com suas raízes africanas e que teve como resultado uma série de imagens em preto e branco também presentes na mostra.

Para um artista que faz do deslocamento seu trabalho, como foi viver a reclusão imposta pela pandemia? "O que eu fiz foi viajar em torno do próprio eixo corporal. Qualquer giro que se faz no próprio eixo pode ser uma volta ao mundo. Fiz pequenos deslocamentos em torno da própria casa, nas ruas do morro. De certa maneira, eu não deixei de viajar —é que passei a fazer trajetos miudinhos."

Neto de uma índia e filho de um pai negro com uma mãe meio índia meio italiana, Nazareth já vinha tratando tanto dos povos originários quanto do racismo em sua obra anos antes das galerias e dos museus se voltarem para a exibição de trabalhos produzidos por esses artistas, que se tornaram a aposta do momento nas bienais e entre os colecionadores.

Paulo Nazareth  CA - run inu ori, 2020  Impressão fotográfica sobre papel  80 x 60 cm
Fotografia de Paulo Nazareth, agora no Pivô, em São Paulo - Mendes Wood DM São Paulo, Brussels, New York/Divulgação

O artista afirma ver este movimento como uma grande conquista depois de anos de luta, dado que tanto os povos originários quanto os descendentes da diáspora africana sempre fizeram arte. Mas ressalva que o mercado está sempre faminto de algo novo, e que é bom ter muito cuidado com essa voracidade.

"Essa arte é fruto de muito pensamento e diálogo, e estava mais do que na hora de ter esse reconhecimento. A gente espera que isso seja duradouro, porque ainda há poucos artistas não brancos dentro das instituições de arte. A arte sempre foi muito 'branco', né? No masculino, mesmo. Ninguém fala assim ‘ah, nossa galeria já tem muito artista branco'. Ninguém fala isso."

Vuadora

  • Quando Até 17 de julho; de quarta a domingo, das 13h às 19h
  • Onde Pivô - av. Ipiranga, 200, loja 54, bloco A, São Paulo
  • Preço Grátis
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