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Cinema

'Medida Provisória' de Lázaro Ramos parece uma novela didática

Ator estreia na direção com filme que, apesar de premissa em que negros são deportados para a África, não deixa marcas

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Medida Provisória

  • Quando Estreia na qui. (14)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Taís Araújo, Alfred Enoch e Seu Jorge
  • Produção Brasil, 2020
  • Direção Lázaro Ramos

A primeira coisa a assinalar, a respeito de "Medida Provisória", é a passagem de Lázaro Ramos à direção. Fato importante não por se tratar de um ator de primeira linha, mas por se tratar de um ator negro, visto a rala participação de cineastas negros na direção de filmes de ficção.

Notar esse fato não significa elidir as deficiências dessa estreia, que de resto parte de um ponto interessante. Num futuro próximo, um governo autoritário —bolsonarista, digamos logo— ordena que, como compensação pelos anos de escravatura, os "melanino-acentuados" sejam deportados para algum país africano.

Alfred Enoch e Taís Araújo em cena do filme 'Medida Provisória', primeiro longa dirigido por Lázaro Ramos - Mariana Vianna/Divulgação

A nomenclatura diferente faz uma alusão bem evidente à tendência contemporânea de julgar que mudanças postiças no léxico não são nada mais do que isso —postiças. No caso, acrescenta-se um contorno caricatural a isso.

Esse ponto de partida antirracista expressa bem os sentimentos dos homens negros em relação a uma sociedade branca que os hostiliza, os diminui, os mata e até gostaria —se fosse possível— de acabar com eles e constituir uma sociedade ariana.

De passagem, Ramos coloca em causa a exclusão de qualquer brasileiro que divirja das opiniões oficiais. De novo, o que buscam fazer o bolsonarismo e seus próximos com os que divirjam de suas opiniões —tachá-los de não brasileiros e coisas do tipo.

O problema aqui é saber se tal ponto de partida permite um desenvolvimento forte. E a resposta, a partir do filme, é claramente não.

Dados os passos iniciais, em que o governo vende a ideia como uma grande vantagem para suas vítimas, o momento seguinte é o de repressão. Trata-se de pegar todo e qualquer cidadão "melanino-acentuado" e embarcá-lo à força para algum país africano.

Essa premissa nos leva a situações melodramáticas que se acumulam ao longo do filme sem acrescentar nada umas às outras. Temos a médica arrancada à força da sala de operações —deixando o paciente a ver navios, claro—, a separação dos amantes, a separação de mãe e filha, o senhor digno, o combativo et cetera.

A isso se juntam os brancos, representativos de como são vistos pelos negros. E não é da forma mais agradável. Vamos desde a hipócrita que aprecia a ideia de despachar os negros para que sua filha possa ficar com o apartamento de um desterrado, até a burocrata aplicada e implacável.

Uma bela notação: o segurança branco que, ao ver o advogado negro sair de um carro desses bem caros —algo acessível a advogados, enfim—, não deixa de notar: "Carrão, hein!" Ao acentuar o caráter de exceção do caso, o segurança reforça a naturalização da supremacia branca existente no país.

O ponto de partida, talvez por amplo demais, acaba enchendo a tela de personagens supérfluos, porque reiterativos. E a maior parte da evolução nada mais é do que reiterativa.

Por fim, Lázaro Ramos optou em seu filme de estreia por uma estética acadêmica, certinha, que deixa a impressão de que estamos vendo a todo o tempo uma novela de TV, quando para um argumento que busca contrariar os cânones do conservadorismo mais valeria optar por um filme mais abusado, mais transgressivo.

Seria talvez menos didático, teria um público menor, mas teria a possibilidade de deixar uma marca forte, o que "Medida Provisória" dificilmente deixará.

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