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'O Infinito em um Junco', de Irene Vallejo, reflete a luta contra a morte

De tema aparentemente desinteressante, livro já vendeu 700 mil exemplares e busca responder as mais frutíferas dúvidas

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Alex Castro

O Infinito em um Junco: A Invenção dos Livros no Mundo Antigo

  • Preço R$ 89,90 (496 págs.); R$ 62,90 (ebook)
  • Autoria Irene Vallejo
  • Editora Intrínseca
  • Tradução Ari Roitman e Paulina Wacht

O subtítulo de "O Infinito em um Junco: A Invenção dos Livros no Mundo Antigo" nem começa a fazer justiça à amplitude de seus temas. Na verdade, o novo livro da espanhola Irene Vallejo, e primeiro a ser publicado no Brasil, é uma história do próprio conhecimento, de nossa luta humana contra a morte, contra a entropia, contra o olvido.

A princípio, não parece um tema que mobilizaria multidões de leitores. Ou, pelo menos, era o que Vallejo ouvia de todos. A editora de seus primeiros dois romances, mais direcionada à ficção, não quis publicar.

Ela mesmo considerava que seria sua obra menos comercial. Enquanto trabalhava, teve um parto de alto risco, seu filho nasceu com sérios problemas de saúde e seu pai recebeu um diagnóstico de câncer terminal.

A escritora Irene Vallejo - Divulgação

"Esse livro nasceu como um refúgio para mim", disse Vallejo. Os agradecimentos à equipe de pediatria neonatal são daquelas linhas que falam volumes nas entrelinhas. Quando o hospital comemorou seu aniversário de 50 anos, Vallejo deu uma belíssima palestra.

Mas "O Infinito em um Junco", de tema aparentemente tão desinteressante, já vendeu 700 mil exemplares e foi traduzido para 39 línguas, inclusive para o inglês, sob o título "Papyrus", ou papiro. Por que tanto sucesso?

Apesar de teoricamente se restringir à invenção do livro no mundo greco-romano, o texto de Vallejo é repleto de curiosidades suculentas de todas as épocas e culturas. Por exemplo, no começo do cinema mudo, para aliviar a tensão da ausência de vozes, as primeiras sessões de filmes tinham "explicadores", um profissional que estava lá, ao vivo e presencialmente, lendo em voz alta os intertítulos para quem não sabia ler e também funcionando como mestre de cerimônias de modo geral.

No auge do cinema mudo, alguns explicadores ficaram famosos e atraíam as plateias tanto quanto o próprio filme. O irmão mais velho do cineasta Akira Kurosawa foi um deles, que se matou quando o cinema sonoro acabou com seu trabalho.

Ser uma excelente "explicadora" é justamente o maior mérito de Vallejo e a razão do merecido e milagroso sucesso do livro.

Apesar de suas credenciais acadêmicas impecáveis —tem doutorado em filologia clássica pelas universidades de Saragoça e de Florença—, o livro de Vallejo não é acadêmico, mas sim de divulgação científica.

Acadêmicos em geral torcem o nariz para "explicadores", ou seja, para aqueles profissionais que, em vez de fazer pesquisa original, se dedicam a divulgar essas pesquisas para um público mais amplo. Por exemplo, a ciumeira de historiadores contra o excelente Laurentino Gomes. Mas, enquanto os acadêmicos estão encastelados em suas torres de marfim, o mundo aqui fora se torna cada vez mais terraplanista.

A grande originalidade dos sábios da Biblioteca de Alexandria foi entender que Antígona, Édipo e Medeia —esses seres de tinta e papiro ameaçados pelo esquecimento— deveriam viajar através dos séculos; que milhões de indivíduos ainda por nascer não poderiam ser privados desses personagens; que inspirariam as nossas rebeldias, nos lembrariam de como certas verdades podem ser dolorosas e revelariam os nossos meandros mais sombrios; que nos esbofeteariam toda vez que ficássemos orgulhosos demais da nossa condição de filhos do progresso; e que continuaríamos a nos importar com eles. Pela primeira vez, consideraram os direitos do futuro —os nossos

Irene Vallejo

autora de 'O Infinito em Junco'

Em seus anos de sala de aula ensinando cultura clássica greco-romana, Vallejo aprendeu que, muitas vezes, as dúvidas mais interessantes e mais frutíferas de seus alunos eram práticas. Qual foi o primeiro alfabeto? E o primeiro livro? E a primeira biblioteca? E a primeira livraria? Como se lia na Antiguidade? Quando as mulheres começaram a ler? São perguntas como essas que "O Infinito em um Junco" busca responder.

Vallejo, além de mesclar saborosas narrativas íntimas com o mais cuidadoso rigor factual, consegue conectar a história antiga que está narrando com todo tipo de fenômeno cultural contemporâneo. O que nas mãos de outros autores seriam episódios exóticos e empoeirados, ela torna urgentes e relevantes.

Pelo dom de seu talento contagiante, Vallejo pega tudo aquilo que a fascina —o conhecimento, os livros, o cânone— e transforma em fascinante para nós também. Ela é, nas suas próprias palavras, "uma proselitista da fascinação".

"Passei dez anos lutando com um desassossego crescente. Escrevi todos os artigos e teses que o mundo acadêmico me pediu. Esse livro foi minha primeira rebelião. 'As Mil e Uma Noites', o 'Decamerão' dos livros."

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