Descrição de chapéu
Danilo Thomaz

Tréplica: Vida de Danuza Leão sofre distorção e sínteses equivocadas

Texto publicado nesta Folha pelo escritor Tiago Ferro ignora grandeza da escritora, que renasceu ao longo de sua trajetória

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Danilo Thomaz

Jornalista e mestrando em ciência política pela UFF (Universidade Federal Fluminense)

Antônio Abujamra, numa de suas provocações, disse que "fênix era nada" comparada à capacidade de Danuza Leão em renascer ao longo da vida. O grande ator e diretor disse a verdade, mas talvez não tenha dito o suficiente.

Danuza não foi. Foram. E isso, talvez, cause incômodo e tentativas de sintetizar a pessoa de maneira errônea e distorcida, como no texto publicado neste jornal pelo escritor Tiago Ferro, no momento em que deveríamos apenas deixar os mais próximos falarem —como já falaram— e os mais íntimos guardarem silêncio.

Danuza foi a mulher do proprietário de um grande jornal, sim. Frequentou o Palácio do Catete e esteve na inauguração de Brasília enquanto o cimento ainda secava.

A escritora, modelo e jornalista Danuza Leão - Acervo UH/Folhapress

Mas também esteve ao lado de Samuel Wainer durante toda a perseguição odiosa sofrida por ele no segundo governo Vargas à época da CPI da Última Hora, meio que Carlos Lacerda encontrou para enfraquecer o governo de Getúlio. Detalhe –ela não tinha nem sequer 25 anos.

Quando o casamento com Wainer degringolou e Danuza o trocou por seu cronista, Antônio Maria, boa parte da sociedade de bem se voltou contra ela.

Para não perder os filhos, Danuza nunca oficializou a relação. E sofreu com este homem que achava que ninguém o amava, ninguém o queria e ninguém o chamava de meu amor. O ciúme de Antônio Maria era tal que ele a repreendia até mesmo por passar de camisola na frente da TV quando havia um homem na tela.

Separada de Antônio Maria, optou pela liberdade, conhecendo "longos períodos de solidão", como confessou em suas memórias.

Sempre em altos e baixos financeiros, ingressou na maturidade em plena era das discotecas. Ela se via obrigada a sorrir sob as luzes do Regine’s e do Hippopotamus para convencer os clientes de que não havia lugar mais "transado" do que aquele no Rio de Janeiro enquanto começava a sofrer graves perdas na vida pessoal.

A partir de 1980 e, ao longo de uma década, se foram Samuel, o pai; Samuel, o filho; Jairo Leão, seu pai, que tirou a própria vida; Nara, a irmã, após longa agonia. E, por último, a mãe.

Lembrada como uma figura da noite, sentenciou de forma mordaz o período em que os holofotes e as trevas se confundiram. "Se sobrou alguma coisa daquela época, foi a lembrança de algumas risadas e muitos arrependimentos. E só."

Recolhida na dor, com pouco dinheiro, afundada no álcool, encontrou no trabalho seu renascimento —Samuel, o ex-marido, dizia a ela que quanto maior o problema, antes se deveria voltar a trabalhar.

Foi produtora na TV Globo e assistente de pesquisa do roteirista Silvio de Abreu, que quis fazer dela sua colaboradora. Depois do estouro de "Na Sala com Danuza", assumiu a coluna do Zózimo no Jornal do Brasil, carregando um salto alto na bolsa para calçar ao chegar em cada festa nas noites de Ano-Novo.

Ironia das ironias —ou não. Samuel, o filho, trabalhou no Jornal do Brasil e, depois, na TV Globo. Danuza fez apenas o percurso contrário.

Sua última passagem foi pelo jornal O Globo. A pouca repercussão que teve, como nos últimos anos neste jornal, foi negativa. E acompanhada pelo linchamento nas redes.

Talvez vendo que não há diálogo possível num mundo pautado por tipificações e certezas, optou por se retirar e abrir mão da ansiedade por se manter na ativa, até mesmo por insegurança financeira.

Ela se permitiu, com quase 90 anos, descer todos os dias e tomar tranquilamente sua água de coco no calçadão em Ipanema, dividindo suas histórias e opiniões apenas com os mais íntimos como o jornalista Ruy Castro —falo sem qualquer indiscrição, ele mesmo o disse no Roda Viva e neste jornal.

Parece justo, para quem foi secretária, modelo, atriz, mulher, mãe de três filhos, "directrice" de boate, apresentadora de programa local, burocrata da Secretaria de Turismo, produtora de TV, pesquisadora, cronista, escritora, colunista de jornal —de coluna diária!— e algo que eu possa ter deixado passar.

Descanse em paz, Danuza. Se você não quiser inventar de fazer mais alguma coisa, é claro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.