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Filme 'O Debate' vai da DR à crítica política com roteiro construído em tempo real

Estreia de Caio Blat na direção de longas costura temas como eleições e jornalismo com discussão de relação de casal

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São Paulo

"Cinema ao vivo" é como Jorge Furtado se refere ao filme "O Debate", escrito com Guel Arraes e dirigido por Caio Blat, que traça um extenso diálogo entre um casal de jornalistas vividos por Paulo Betti e Débora Bloch sobre o Brasil atual e o afeto possível após uma separação conjugal.

Produzido e rodado em 40 dias, o título teve várias cenas inseridas de um dia para o outro no roteiro, quando não no mesmo dia, ao sabor da temperatura do noticiário político da vida real.

Arraes e Furtado se divertiram com a chance de inserir em um mesmo diálogo frases sobre a economia do país e a frequência sexual desgastada pelo casamento; ou sobre relação aberta e os males da pandemia; e sobre separação de bens e pesquisas eleitorais.

Longa 'O Debate', que costura política com debates sobre amor e casamento
Cenda do filme 'O Debate', que costura política com debates sobre amor e casamento - Divulgação

A conversa se desenvolve a partir dos bastidores de um estúdio de TV que exibe um suposto último debate entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), na véspera da eleição presidencial, onde ela é apresentadora de telejornal, e ele, editor-chefe.

Não há qualquer imagem ou menção nominal aos dois candidatos, o que não impede o público de saber de quem eles estão falando –até porque os dois adversários são sempre citados como "presidente" e "ex-presidente".

Em tom de DR, discussão de relação que alcança a separação desse par protagonista, o enredo costura diagnósticos sobre vacinas, urnas eletrônicas, democracia, corrupção, armas, aborto e outros assuntos com farta argumentação para agradar pensamentos divergentes, sob o prisma da ética jornalística.

Estreia de Blat na direção de longa-metragem, o filme é baseado no livro-peça homônimo lançado por Guel e Furtado em setembro de 2021.

"Desde o começo, esse filme é um convite ao debate", diz Furtado em entrevista à Folha por videochamada, ao lado de Guel e Blat. "O que a gente quer é a racionalidade do debate. A democracia precisa de argumentos, não de pedrada nem de flechada nem de tiros: precisa do ‘me convença’."

"A gente lia jornal direto para fazer esse texto. Tinha hora em que a gente falava: ‘Tá igual à coluna de fulano’", relata Guel. "É como se, como roteiristas, nós fôssemos também um pouco jornalistas."

"Para a gente, 40 dias é um tempo muito urgente. Para vocês [jornalistas], 40 dias é uma vida. Sentimos esse frisson jornalístico de cinema ao vivo de que o Jorge fala."

Furtado lembra, no entanto, que o filme é "uma ficção", inclusive quando cita uma nova cepa da Covid-19, ali nominada como sigma, o que ele espera que não ocorra. Tampouco deseja que haja um segundo turno nas eleições presidenciais, como acontece no filme.

Mas o pensamento dele, assim como ocorre com o editor-chefe Marcos (Betti) e a apresentadora Paula (Débora), não interfere no enredo.

"O jornalista tem que ter isenção, e nós, como artistas, temos também compromisso com a verdade", diz Guel. "Nosso papel, como roteiristas, ficou o mais próximo possível disso, porque estamos tratando de uma questão contemporânea, de coisas que estão ocorrendo agora e podem influenciar nos acontecimentos."

Foi nesse ritmo que o roteiro do filme ampliou as discussões em relação ao texto do livro. "O Caio me ligava e dizia: ‘Não acha que devemos tentar botar a coisa da tentativa de fraude?’ Eu falei: ‘Vamos botar isso da urna eletrônica’. Só precisava ter alguém ali dando essa notícia."

Várias informações entram na tela por meio de recortes de falas e cenas de telejornais produzidos especialmente para o filme. Atualidades foram inseridas até o último dia de dublagem e mixagem.

Guel conclui, dizendo que "nunca tinha feito isso na vida": "Estamos numa realidade tão quente, tão perigosa, num momento tão urgente do país. Toda a minha carreira artística foi da abertura política até o Bolsonaro. Era uma moleza. No máximo eu fiz campanha contra o [Fernando] Collor, fiz algumas peças. E esse é um texto muito diferente porque tenta ser atraente como obra artística, mas tem uma função não partidária."

Se o jornalismo exerceu ao longo da pandemia um papel do qual o estado se omitiu, com informações sobre imunização, mortes e cuidados a tomar, "a dramaturgia faz com que a gente possa exercitar essas possibilidades de sentimentos: ela ensina, é um simulador da vida", completa Furtado.

Abarrotado de bons argumentos divergentes, o enredo apresenta dois jornalistas pessoalmente contrários ao governo atual, mas o editor-chefe defende fervorosamente um noticiário capaz de apresentar a razão de quem pensa diferente dele sobre aborto, armas ou confinamento na pandemia.

"Eu não quero ser isento, isento é neutro, que escolhe não fazer nada, eu escolhi fazer jornalismo, temos que ser justos", diz ele em cena. "Justos com quem?", questiona Paula. "Com a democracia", ele rebate.

"Então ser justo é se omitir quando o mal pode vencer?", reage ela. "Isso não é uma batalha do bem contra o mal", ele fala, completando: "Nosso candidato já foi governo por muito tempo, disse que ia mudar as faixas do Imposto de Renda e não mudou".

"Eu não quero ganhar a discussão, eu quero salvar o país", responde Paula. "Nós falamos com o país inteiro, não podemos dizer que o candidato deles é genocida, fascista, racista e homofóbico", defende o editor-chefe.

Paulo Betti, Débora Bloch e Caio Blat
Caio Blat estreia como diretor de cinema com o filme 'O Debate', protagonizado por Paulo Betti e Débora Bloch - Divulgação

Dessa forma, o filme assume os riscos de gregos e troianos fazerem recortes que convêm a ambos os lados para difundirem suas defesas em redes sociais.

"Se a gente for se pautar por isso, a gente não faz nada, porque dá para recortar qualquer coisa, né? Alguém já disse isso: ‘Em teu seio’ está no hino nacional, pode recortar", cita Furtado.

"Tomara que recortem para todos os lados e viralizem tudo, o que traz mais gente curiosa para ver o filme", torce Blat.

A opção por não dar nomes aos candidatos do filme passa pela segurança jurídica, driblando possíveis represálias à produção, mas também pela ambição de alcançar outras plateias, em outros países ou em um futuro qualquer.

A certeza de que algumas tendências são cíclicas nos levam a 1989. No enredo, Paula anuncia no ar que o telejornal da noite fará uma edição com os "melhores momentos" do debate, saia justa que a Globo enfrentou uma única vez em sua história para nunca mais repetir.

Era véspera da eleição presidencial quando uma polêmica edição do último confronto entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva ganhou espaço no Jornal Nacional, tornando-se referência de estudo sobre ética jornalística.

A seleção de trechos do encontro vista no JN foi acusada de supervalorizar a boa performance do então candidato do PRN sobre o petista. Quinze anos depois, em um livro lançado em comemoração dos 35 anos do JN, os envolvidos naquele trabalho explicaram suas responsabilidades no episódio.

Guel faz questão de dizer que o caso de 89 inspira a ideia de "O Debate". "Aquilo é incrível, dá para fazer um outro filme só com esse episódio", diz.

Embora a questão jornalística seja o fio condutor da conversa, a discussão conjugal é um ponto forte no enredo, quase com o mesmo espaço ocupado pelos assuntos profissionais daquele casal. O interesse por sexo, filhos e traição permeia as linhas políticas da conversa.

"A ideia do Jorge e do Guel era cobrir esse debate com outro debate, e eu achei genial porque era o terceiro plot do filme", fala Blat. "O primeiro plot é a política e o que está acontecendo no país, o segundo é o amor, ou como se separar e continuar se amando e trabalhando juntos, e o terceiro plot vira uma revisão do jornalismo brasileiro dos últimos anos sobre a democracia."

Em sua estreia como diretor de um longa-metragem, Blat logo ganhou a confiança de Guel, que foi visitar o genro no set. Casado com Luísa Arraes, Blat também entra em cena como um apresentador de telejornal, e ela faz breve participação na pele de uma repórter.

O longa é praticamente todo conduzido por Betti e Débora, com outros poucos atores em cena, incluindo nomes selecionados por Blat entre seus alunos no grupo Nós do Morro.

O diretor celebra ainda a bênção de Caetano Veloso para inserir duas canções do baiano na trilha do filme, uma para o amor e outra para a política, os dois assuntos que o músico considera mais importantes na vida, selando a união dos focos da história.

O Debate

  • Preço Nesta quinta (25) nos cinemas
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Paulo Betti, Debora Bloch e Caio Blat
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Caio Blat
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